Tudo o que não cabe 614o21

Por Márcia Martins 6j1d53

31/10/2024 15:22
Tudo o que não cabe

Ando por aí Doída de amor De saudade Doída por dentro De lembranças De perdas Do que não sou mais Ando por aí Doída (*)  69395v

Uma amizade duradoura precisa de alguns elementos essenciais para a sua sobrevivência. É necessário sempre manter o respeito por alguma opinião divergente e a disponibilidade para escutar quando aparece um problema, seja ele de qualquer espécie. É fundamental entender que ser amigo não significa gostar das mesmas coisas e buscar o alinhamento possível nas diferenças. É de vital importância cultivar a compreensão, promover as reuniões, aceitar quando as agendas não se encontram e, principalmente, alimentar o afeto, compartilhar as risadas e dividir as lágrimas.

Pois uma das minhas melhores amigas, desde a década de 90, quase virou uma inimiga no nosso primeiro encontro casual, ainda no início da adolescência. Lá pela metade dos anos 70, cruzei com ela no apartamento da minha madrinha Irene e tive uma antipatia inexplicável e imediata pela mesma. Na realidade, nada de inexplicável para uma geminiana como eu, louca de ciúmes de tudo e de todos, e que me magoei com os elogios da madrinha à filha da sua vizinha. 

Mais tarde, numa entrevista coletiva na Fiergs, ela pelo Diário do Sul e eu pela Zero Hora, nos reencontramos, nos aproximamos, nos permitimos conhecer melhor o interior uma da outra. Trabalhamos juntas depois na Zero Hora e na Comunicação da Prefeitura nos governos do PT. Ela foi visitar a minha filha recém nascida numa tarde quente de dezembro de 1994 e levou a pedra da sorte de sagitário (signo do meu bebê). Trocamos confidências, viajamos juntas, vamos a shows e sempre que as agendas permitem marcamos um café aqui pela Cidade Baixa ou pelo Bom Fim.

Tenho três amigas que considero como se fossem minhas irmãs. E a Eliana Ferrari Dutra, de quem falei acima, é uma delas. A Tia Lili, como minha filha Gabriela se acostumou a chamar, e que dividiu alegrias e tristezas comigo desde aquela entrevista coletiva na Fiergs, fez sua estreia na literatura com o livro de poesias ?Tudo o que não cabe?, pela Carta Editora que foi lançado ontem (quarta-feira, 30). Eu havia lido alguns poemas publicados pela Lili no facebook, mas devorei já uma quantidade de páginas do livro pela magia e facilidade de sua escrita. 

Todos eles trazem a sensibilidade que lhe é peculiar, exposta nos mais belos e dolorosos sentimentos, um jeito esperançoso de acreditar nos projetos que ainda carrega e a paixão pelos que se perderam no caminho, o amor escancarado pelo mar e sua energia, a dor pelos amores que já deixaram lembranças e a saudade confessa dos seus entes que partiram. Ela diz: ?meus poemas nascem despidos, na forma: estão nus, dispensam pontuação, refletem ausências, mas são plenos, pulsam?.

E eu digo: tudo o que não cabe numa amizade é não reconhecer o valor de uma amiga e de sua escrita, é não divulgar um livro tão necessário para compreender os encontros, desencontros, perdas e ganhos, sofrimentos e prazeres da vida. E desejar que seja o primeiro de muitos Tia Lili!

(*) poema da página 35 do livro ?Tudo o que não cabe?, de Eliana Ferrari Dutra