Toda a maioria é essencialmente burra
Por Luan Pires

Hoje, pedi um espaço na coluna da Dona Vida pra falar de algo que é muito particular. Discursos que ao invés de incentivar debates construtivos sobre diversidade, equidade e inclusão acabam se apegando a velhas justificativas cheias de pó e ácaros daqueles que estão acostumados a usar aquela frase "foi sempre assim" ou "para eles é novidade" não devem ser repercutidos, nem sobre uma óptica de reflexão.
Vamos lá. Quando falamos de grupos identitários (negros, gays, lésbicas, PCDs) procuramos não usar o termo "minorias". Porque acaba por se tornar uma forma de inferiorizar um grupo identitário. Não chamamos de minorias quem tem cabelo ruivo, não chamamos de minoria quem têm olhos azuis. O termo "minoria" não tem nada a ver com quantidade, mas com poder representativo. Até porque negros e pardos são maioria na população brasileira. Usamos então o termo "grupos minorizados".
Outro ponto. Quando ouvimos frases como "ditadura da minoria" estamos dizendo que em teoria esse grupo com poucos ou nenhum direito teria poder para fomentar uma ditadura. O que é absurdo. Só juntar o termo "minoria" com ditadura é uma abominação. Ditaduras são feitas por grupos que têm poder (mídia, político, institucional), então falar de ditadura de minoria é a mesma coisa que falar de preconceito reverso. Não existe.
Grupos minorizados não são ouvidos. O percentual de brasileiros adultos que se declaram assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero é de 12%, ou cerca de 19 milhões de pessoas, levando-se em conta os dados populacionais do IBGE. Foi um levantamento inédito conduzido por pesquisadores da Unesp e da USP e publicado na revista científica Nature Scientific Reports. Em 2019, o IBGE conduziu a primeira coleta de dados sobre orientação sexual. No levantamento, 1,8% da população adulta se declarou homossexual ou bissexual. Entretanto, o instituto não levantou dados sobre aspectos de identidade de gênero, o que envolve categorias como pessoas trans e não-binárias. Tampouco foram levantadas informações sobre outros comportamentos sexuais, como a assexualidade. Portanto, usar essa fonte é falar sem pesquisar ou pura falta de vontade. Mesmo assim, existem sempre pontos quando o assunto é autodeclaração em um país LGBTfóbico como o Brasil. Então, esse número pode ser muito maior.
Digo isso porque muitas vezes grupos minorizados são acusados de defenderem suas causas de forma "insultosa". Me pergunto: o que seria insultosa para uma elite padrão-branco-cis-hétera? É dar um beijo no meio da rua? É levantar bandeiras em frente a órgãos públicos? É dizer que tal discurso é preconceituoso? Mais uma vez, dizer sem falar é mais um jeito de estigmatizar um grupo que já sofre tanto com isso.
Ver gente falando que é um "desconforto" para pessoas heteronormativas conviverem com essas pautas me dá uma vontade de rir de tristeza. Desconforto é crescer sofrendo bullying. É viver em um país, no caso da comunidade trans e travesti, que pelo 4º ano consecutivo mais vê matarem os seus, é ter uma expectativa de vida, ainda falando de identidades trans/travestis de 35 anos, segundo Associação Nacional de Travestis e Transexuais. É crescer se sentindo fora da sociedade porque não se vê representado nas mídias. Segundo dados da organização norte-americana The Trevor Project, de 2019, 39% das pessoas LGBTQ nos EUA consideraram seriamente o suicídio no último ano. Entre as pessoas transgêneras ou não-binárias, essa taxa sobe para alarmantes 54%, é o que foi chamado de estresse de grupos minorizados. Isso sim é desconforto.
Ouvir discursos de que eu, ainda com minhas camadas de privilégio, por ser um gay-branco, preciso ter empatia com pessoas que cresceram com um padrão de certo e - pasmem! - de repente são ensinadas que cada um pode ser o seu padrão e que é normal ser diferente. As pessoas, vou usar o termo novamente - pasmem! - precisam, segundo alguns discursos, se acostumarem que ninguém é igual a ninguém. Como se tudo isso fosse novo e totalmente fora do que vivemos em sociedade. Só um lembrete conforme pesquisas diversas, mas embasada por um artigo na UNIESP, na Grécia Antiga, o relacionamento homoerótico era praticado conforme as circunstâncias da época. Não é algo novo nem aqui nem na Grécia.
Por fim, olha que loucura, essas pessoas estão estranhando a representatividade que grupos minorizados estão ganhando na televisão, como se fosse uma imposição. Deixa eu dizer: é mais que imposição, é pagamento de dívida história onde negros por anos apareceram como empregadas e gays eram motivos de chacota. E, para finalizar, comparar as pessoas que saem defendendo "a família tradicional brasileira" com pessoas que defendem minimamente o direito de existir é zombar com a cara de todos os movimentos. Diálogo é preciso, respeito, mais ainda. Mas o peso da balança não está igual. Talvez nunca fique. Por isso, aceitar seu privilégio, antes de mais nada, é uma forma de respeito e tolerância. Depois, podemos conversar.