Terceira infância
Por Flávio Dutra

Fico encantado cada vez que o, nas minhas caminhadas de fim de semana, pelo espaço no Calçadão de Ipanema onde se reúne a tribo dos aeromodelistas. Confesso que diminuo o o e aguço a audição para acompanhar os diálogos sobre as pequenas aeronaves, civis e militares, que aterrissam naquele espaço à beira do Guaíba e que em seguida estarão fazendo acrobacias e zumbindo pra lá e pra cá, manejadas à distância por seus pilotos em terra e acompanhadas com interesse e entusiasmo pelos parceiros e os antes. Poderia ser brincadeira de criança, mas não há criança entre os aeromodelistas, apenas senhores de meia idade ou mais, com muitas horas de voo dos seus pequenos pássaros motorizados.
O fascínio por esses brinquedinhos certamente remete aos melhores anos da infância, só que agora se apresentam como uma terceira infância, travestida de animados encontros de homens e suas máquinas. Nada a ver com a terceira infância do desenvolvimento das crianças, a etapa dos 10 aos 12 anos. Quem sabe não estão ali no mini campo de pouso improvisado pilotos frustrados a resgatar um sonho de guri, agora realizado em outra dimensão? Não me animo a questioná-los a respeito porque certamente vão tomar por provocação, além de atrapalhar os preparativos para a decolagem que virá a seguir.
Também me identifico com outra tribo da terceira infância, a dos praticantes do futebol de mesa, os botonistas. Essa identificação remonta à verdadeira infância, quando recebi de presente no Natal um jogo de botões inha com a estrela solitária do Botafogo, para o qual comecei a torcer fervorosamente, além do Grêmio, claro. Mais adiante, ei a fazer botões de plástico derretidos em fôrmas de tampinhas, já que não tinha grana para os puxadores manufaturados de então, e usar caixas de fósforo como inconfiáveis goleiros. Hoje, sei de marmanjos que acondicionam seus times, misturando Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Mbappé e outros menos votados, em caixas cheias de mordomias, como talco e flanelas especiais, a fim de conservar e lustrar seus craques de acrílico.
Não me surpreenderei se barbados de todas as idades resgatarem pistas e bólidos de Autorama e, radicalizando, no rastro dos resultados olímpicos dos jovens brasileiros, aparecem veteranos se arriscando a tombos e fraturas no skate ou a caldos nas ondas marítimas com novíssimas pranchas de surfe ou, ainda, piruetas em street dance. Melhor - e mais seguro - seria se voltasse a jogar taco nas calçadas, nicar bolitas no triângulo, empinar pandorgas e acelerar em carrinhos de lomba. Isso sim é atividade raiz.
Manifestações da Síndrome de Peter Pan, decretariam os especialistas, referência ao menino, personagem de livros e filmes, que permanece sempre criança. Permito-me contraditar, com uma frase atribuída à Freud: "As vezes um charuto é apenas um charuto" - e não um símbolo fálico (ele era um contumaz fumante de charutos).
As vezes, muitas vezes eu diria, uma sessão de aeromodelismo ou uma competição de futebol de mesa é apenas um saudável encontro entre amigos, e não uma manifestação da terceira infância, de brinquedos de gente grande.
Agora, se me derem licença, vou parar por aqui porque preciso arrumar os soldadinhos de chumbo para a defesa do meu Forte Apache. Rápido que os selvagens já estão saindo da caixinha.