Tecnologia que atrasa

"A tecnologia nos atrasa", disse Elton John, numa entrevista no canal GNT há alguns dias. Atrasa? Como pode, uma coisa que foi feita para …

"A tecnologia nos atrasa", disse Elton John, numa entrevista no canal GNT há alguns dias. Atrasa? Como pode, uma coisa que foi feita para agilizar a vida, que é um símbolo do mundo moderno, avançado, arrojado, ser taxada assim?


A explicação é que a tecnologia, na maior parte das vezes, de fato serve para o progresso, para a agilidade e para a rapidez. Vivemos em um mundo que respira tecnologia: usamos computadores, telefones celulares, os próprios eletrodomésticos já vêm com tanta tecnologia embutida que alguns são até mais inteligentes do que os seus donos.


Porém, a tecnologia pode atrasar quando se trata de arte, criatividade e inovação. Se vivemos em um mundo tão tecnológico, também vivemos um mundo que tende à padronização. Até para que possamos nos comunicar, foram desenvolvidos os chamados "protocolos"(que nada mais são do que padrões) para que, por exemplo, o computador de um amigo meu que more em Paris se entenda com o meu, em Porto Alegre.  Para que meu celular fale com o celular de um cliente em Tóquio. Padrões foram necessários para tanto, e estabelecidos.


Porém, na criatividade, a tecnologia "atrasa", pois a padronização pasteuriza (no mau sentido da palavra) o pensamento, as idéias. Um dos motores da criatividade é a diversidade: de pontos de vista, de ângulos, de acontecimentos, de ferramentas de trabalho, de tudo. Quanto mais padronizamos, mais tendemos a engessar a criatividade.


Me parece que rumamos para um mundo em que teremos os mesmos padrões de vida, vestiremos as mesmas roupas, falaremos o mesmo idioma, teremos os mesmos valores, consumiremos os mesmos produtos. Estou exagerando? Sim, mas não me parece um cenário tão distante assim. E, num mundo igual, os pensamentos tendem a ser iguais. Ou, mesmo que diferentes, diferentemente iguais.


Para a criatividade, esta situação é um veneno. Antigamente, quando as pessoas tinham mais dificuldade de se comunicar e estavam mais isoladas em suas aldeias, as correntes de pensamento e as inovações eram muito diferentes umas das outras. Hoje, com todos trabalhando em PCs, Macs, utilizando os mesmos teclados (em música), ouvindo os mesmos cantores que estão fazendo sucesso, vendo os mesmos filmes, podemos estar gerando uma criatividade lobotomizada.


Devemos nos isolar, então, para sermos mais criativos? Resposta muito complicada de dar, já que a aldeia global favorece, por exemplo, a afirmação dos direitos humanos. Sabermos de desigualdades e injustiças cometidas do outro lado do mundo nos permite pressionar por uma solução. Neste sentido,  a tecnologia e a globalização são excelentes.


Para fazer uma reflexão a respeito do tema, tenho dois convidados especialíssimos: Luís Fernando Veríssimo, escritor, e Maria Tomaselli Cirne Lima, artista plástica. Ambos, por força do ofício, fazem uso da criatividade todos os dias. Fiz duas perguntas a eles:


1) Aonde fica a criatividade?
2) A liberdade é premissa para a criatividade ou a criatividade é que liberta?


Resposta do Veríssimo:


"Não sei em que polo do cérebro fica a criatividade mas sempre achei que ela é uma forma de burrice.


As pessoas inteligentes sabem como as coisas devem ser feitas, entendem o mundo e seguem as suas regras.


Os burros não vêem o óbvio e têm que criar.


Penso que a criatividade sempre se realiza contra, ou ao redor, de alguma coisa estabelecida e fixa. Exemplo: uma vez fizeram uma experiência com a liberdade total no jazz. Ligaram os microfones e cada um tocava no tom que quisesse, no andamento que quisesse, etc. Resultado: bobagem e caos. Já um Louis Armstrong parafraseando uma melodia conhecida, ou o Charlie Parker inventando uma melodia pessoal e genial em cima de uma progressão harmônica convencional, são exemplos máximos de criatividade."


Respostas da Maria Tomaselli:


1)   A criatividade acontece com qualquer  instrumento. Uma guitarra nunca vai produzir o som de um piano, um PC ou Mac  nunca vai produzir uma textura de madeira queimada ou bronze, mas tanto a guitarra consegue melodias que um piano não consegue como um computador abre novos horizontes. A criatividade existe exatamente em usar os meios adequadamente e ter oq dizer.


2)   As duas são verdadeiras


 


O ótimo site da Maria Tomaselli é www.mariatomaselli.cjb.net . Conheçam, visitem!


O Veríssimo não tem site. Mas acho que todos sabem como ar sua criação, não? Jornais, livros, revistas.

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