Sucata de Palavras

São incansáveis os sucateiros de palavras, os serviçais das sobras silábicas da sociedade. A salvação dos excessos da semântica, da sintaxe e semiótica. Como R

São incansáveis os sucateiros de palavras, os serviçais das sobras silábicas da sociedade. A salvação dos excessos da semântica, da sintaxe e semiótica.
Como surgiram? De repente, estão nos seminários, simpósios, congressos e conferências. Esperam o evento acabar e aí invadem os recintos. Com sacolas a tiracolo, limpam o chão do que ali foi dito.
Ganham o pão com o suor dos oradores. Sabem que, por mais atenta que seja a platéia, nem tudo se aproveita. Sem falar nos dispersivos, que quase nada retêm. Desde um sistema de som inadequado, das falhas acústicas ou até da má dicção do palestrante, sempre fica um elevado percentual de palavras perdidas. De tudo se abastecem, tudo gera sustento.
A coleta funciona assim: os sucateiros se enfiam por salas e salões e percorrem as fileiras de poltronas. Do chão, coalhado de frases inteiras, palavras soltas, fragmentos orais, catam a esmo. A sucata de palavras é lucrativa, pesa menos nas costas e mantém os lugares sem sinal de verborragia.
Assim como faziam com papel, alumínio e vidro, os sucateiros vão com sua carga até os depósitos, que pagam bem por tonelada de palavreado. Não importa a clareza da linguagem ou os cacoetes de expressão. Também nos monturos da oralidade e aterros sanitários da verbalização, sucateiros sobrevivem dos resquícios do matraquear da humanidade. Aqui, recolhem restos do falar por falar, de bate-bocas, fofocas etc.
O negócio da sucata de palavras prospera. Já há dezenas de usinas no RS para reaproveitar termos usados. Após terem fonemas e sílabas desmontados, dessonorizados e sem sentido algum, são jogados num reprocessador vocabular. Do outro lado, como se nunca tivessem sido proferidas, uma infinidade de novas palavras desliza numa esteira, prontas para retornar ao mercado expressivo.
Clientes não faltam. Algumas editoras, seletivas, adquirem o melhor da reciclagem. Compram variadas definições e produzem dicionários escolares e enciclopédias. Outras, nem tão exigentes, arrematam desde palavras ocas até lugares-comuns. Aí lançam livros de auto-ajuda.
O potencial do mercado tende a crescer: palavras sucateadas são bastante utilizadas em discursos políticos, por conferencistas em workshops, por jornalistas e publicitários desmotivados, e por gente que freqüenta talk shows em tv.
Palavras, words, parole, mots, palabras, wörter. O lixo é universal. A profissão de sucateiro veio para ficar.

(Texto originalmente publicado no Jornal Extra Classe, em dez/06)

Dizem que a roubalheira no país é geral.

Não é não. Se fosse, ninguém falaria nela.

O Brasil é uma terra de oportunidades.

Daí, mais que em qualquer outro lugar,

tantos oportunistas entre nós.

Arco-Iris

Com o celular, as contradições sociais

ganham maior visibilidade: agora, até sem-teto

solicita entregas em domicílio.

Para evitar a repressão e não prejudicar os

negócios com outras drogas, os traficantes de

Santa Cruz do Sul deixarão de vender crack.

É o Top de Marketing ADVB 2009.

(Com agradecimentos ao meu amigo Rafael Martinelli)
 

Corvos

O mundo está cada vez mais infantilizado,

com exceção de algumas crianças

precocemente maduras.

Não é de estranhar que pessoas com curso

superior se candidatem a vagas de garis.

Afinal, seus diplomas já foram pro lixo.

BUGIGANGAS ORGANIZACIONAIS

Operacionalidade é a via expressa

pela qual todas as decisões e providências burocráticas

avançam mais agilmente em direção a imes.

Para muitos funcionários, organização e método

é uma bênção: não fosse isso, se cometeriam

erros sem critério e embasamento.

Cronograma - isso que mantém os atrasos

e adiamentos rigorosamente sob controle.

Na maioria absoluta das empresas, não se faz

nada sem uma reunião antes. E o único jeito

de escapar de uma é estar em outra.

Planilhas são diagramas para preencher com dados,

a forma mais prática de desperdiçar neurônios.

Um expediente é, teoricamente, um período

pré-determinado de tempo que, na prática,

o neoliberalismo tornou interminável.

Etc.

Não sei por que valorizam tanto a filosofia

de vida, se até os destrutivos têm as deles.

Não importa onde nascemos, um dia

seremos todos conterrâneos - debaixo da terra.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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