Sua excelência, o excêntrico

Outra tese minha, que defendo cá com os meus zíperes: os excêntricos fazem um bem danado à humanidade. Por serem descondicionados do condicionamento geral …

































Outra tese minha, que defendo cá com os meus zíperes: os excêntricos fazem um bem danado à humanidade.
Por serem descondicionados do condicionamento geral (atrelados só ao seu próprio, seja lá qual for, quanto doloroso for), sugerem à nossa espécie diferentes condições de existir: se se realizam à moda deles, e se chegam a ser felizes do seu jeito, a nossa percepção do que seja felicidade se alarga. É um mundo sob nova direção.
Por serem simplesmente quem são - deslocados - os excêntricos desaprumam os prumos das sociedades e desprogramam a pré-programação do sistema. Com sua conduta estranha, favorecem a compreensão e a proximidade com as estranhezas. Criam, por querer criar ou mesmo criando sem querer, parâmetros à revelia dos modelos, introduzem padrões não-padronizados. Trilhas sem trilhos.
Os excêntricos querem o que não é oferecido, buscam o indisponível, saem à cata do incomum. Logo, provando do improvável, expandem os cardápios, mudam o figurino, ampliam as dissonâncias, geram contradanças. 
Porque eles não se conformam com as fôrmas. E a partir das suas desconformidades, a humanidade tem a chance de medir tudo que tem dentro dos conformes, pode reconhecer a extensão do mediano, ou revelar seu grau mais inferior, o medíocre.
Os excêntricos não fazem média com seu gosto, concessão com as vontades, não regateiam o próprio estilo. Excessivos ou retraídos, se arriscam a atender a si mesmos, contrariando a expectativa geral de um dia virem a ocupar lugar no rebanho. Seu pescoço não aceita coleiras sociais, culturais, morais.
Seu viver, um contínuo esforço pelo contentamento fora das normas (por mais sofrimento que isso, em grupo, lhes traga) às vezes brilha tanto que se transforma em atração. Se for sustentada por algum tipo de talento ou excepcional capacidade, pode chegar ao espetacular - ao showbiz, propriamente dito.
Um excêntrico, quando se torna artista - apesar de ou justamente por causa da sua excentricidade - vira uma referência: é uma diferença que se satisfez, e nadando contra a corrente. Aí o excêntrico se torna aquilo que tantos não-excêntricos gostariam de alcançar, cujas vidas concêntricas não permitem: vira um astro sem igual.
Que bom que esse espelho comportamental exista: sem a presença dos excêntricos, o tédio e a rotina cotidianos seriam inavelmente ináveis. Sua influência nos alivia, por nos remodelar. Todo mundo deve algo a Michael Jackson. ito que devo.

? o capitalismo usa todo o imensurável capital de que dispõe para exaltar a si mesmo. A isso se chama de ostentação da opulência. Reparem na indústria da construção, irem o hall típico de uma típica torre empresarial pós-moderna: pé direito em escala monumental, vidro fumê de alto a baixo, pisos de mármore, lambris de rádica, catracas eletrônicas, circuito de vigilância de última geração, elevadores inteligentes. Bem, a inteligência do sistema capitalista acaba no cubículo ascensor. Toda a fortuna aplicada na luxuosa aparência arquitetônica sempre desemboca numa contraditória mesquinharia funcional: alguém já viu alguma bunda de ascensorista caber naqueles minúsculos banquinhos de 20 x 20cm? É que esse desconforto deve ter fundamental contribuição para a decisiva redução de custos na desumana planilha de engenharia. Sobe! 

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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