Sol, de novo

Quem tem a gripe Z deve ficar em casa. Sem febre, não deve ir até um hospital se sujeitar a pegar o vírus da …

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Quem tem a gripe Z deve ficar em casa. Sem febre, não deve ir até um hospital se sujeitar a pegar o vírus da A. Regra fulaniana aplicada à risca. Portanto, de molho, sem cinema. Com um livro. Sim. Futuro livro e uma surpresa. Logo, não podemos contar. Fora isso, DVD.
Fu Lana, cansada de tossir, enrolou-se no endedron e assistiu ao Ninho vazio, o filme argentino mais visto em sabe-se lá quando. Tava lá, na caixinha. Ela perde a paciência com a informação pura e simples. Tá bem: 2008. Se ajuda aos interleitores, o diretor é Daniel Burman.
Coincidência ou não, a casa era um só silêncio. Fotos de parentes espalhados em portarretratos, lembranças nas prateleiras, brinquedos das ex-crianças. A obsolescência estava pegando mais do que qualquer gripe, de A a Z. A idade batendo, querendo ficar. Tudo dentro do apartamento lembrava uma resistência de muitos anos. Estava tudo estragando, e ao mesmo tempo. Foi-se o micro-ondas, a impressora, a tevê de 25 anos (pudera!). O VHS, coitado, estava na UTI. Até as roscas dos banheiros resolveram emperrar naquele agosto. E o DVD, ali firme, aguentando o tranco. De longe, avistou a torradeira desfazer-se em fumaça, a máquina de lavar pratos que não queria soltar a água. Diacho. E agora ela, a dona do boteco, estava dando os doces. Fu Lana quando tem dor de cabeça é aneurisma; quando gripa, é o fim. Hospital e médico, só nas minisséries. Até ligou para um, esses dias, mas o cidadão só tinha hora para fins de setembro. Até lá, a doença vai secar o sobrevivente.
E o ninho vazio? Uma história que remete para dias como aqueles de agosto. Quando você pensa em desistir, em resmungar contra a própria sorte e baixa a guarda é que irrompe o sol, e o tempo ranzinza é ameaçado por um equinócio, anunciando logo ali, uma primavera, um novo livro, um novíssimo em folha filme, DVD, televisão, torradeira, retratos. Ao terminar a fita, Fu Lana aconchegou-se e pensou: ainda não é a hora, afinal. E escancarou as janelas da casa-silêncio.

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