Sobre goleiros e árbitros
Por Flávio Dutra

As duas funções que mais evoluíram no futebol foram as do goleiro e do árbitro. Por motivos diferentes, é óbvio. Faço essa anotação sobre os goleiros no momento em que Inter e Grêmio anunciam que buscam reforçar a posição no ano que vem, pela evidente razão de que estão insatisfeitos com o desempenho dos atuais titulares, no caso Daniel e Brenno.
Vale registrar que o goleiro é o mais privilegiado - e o mais vulnerável - dos jogadores, porque é o único que pode jogar com as mãos e também é o único a contar com um treinador só para ele, o que talvez explique a evolução desses profissionais da bola. Entretanto, anote-se que é no uso dos pés em saídas de bola mais qualificadas, ao invés dos chutões a Deus dará, que ocorreu mais um fator de diferenciação dos goleiros. O futsal já usava essa estratégia do goleiro-linha e no futebol acredito que o alemão Neuer a consagrou na Copa de 2014. Pelo menos foi a primeira vez que assisti a um goleiro tão adiantado e tão desenvolto nas saídas da área no jogo Alemanha x Argélia, no Beira-Rio.
Segundo os estudiosos do tema, a grande transformação, que fez com que o goleiro fosse visto como um jogador de linha a mais, começa a partir de 1993 quando a Fifa proíbe que ele agarre com a mão as bolas recuadas com os pés pelos companheiros. O objetivo era acabar com o antijogo, mas o resultado transcendeu a isso, obrigando o goleiro a ser hábil com os pés e gerando novas possibilidades para seu time. Antes disso, o futebol brasileiro já começara a se livrar da fama de não ser um grande formador de goleiros, talvez porque duas excepcionais seleções nacionais, as de 1970 e 1982, tinham como titulares no gol profissionais inconfiáveis, para dizer o mínimo, no caso Félix e Valdir Peres. Desde as peladas na infância, nossa vocação ofensivista reservava aos "perebas" a alternativa do gol, a não ser que o garoto fosse o dono da bola e isso pode ter replicado no futebol profissional.
Aí veio a era "vai que é tua Taffarel" nas três copas dos anos 1990 e o Brasil ou a ser exportador de craques no gol, a começar pelo próprio Taffarel, hoje, o treinador de goleiros da Seleção, que saiu do Inter para os italianos Parma, depois Reggiana e Galatasaray (Turquia). Não dá para esquecer Rogério Ceni, o goleiro artilheiro do São Paulo. Essa geração resultou numa safra de grandes goleiros que se dão ao luxo de deixar fora da seleção nomes consagrados. Vale lembrar que dois dos três goleiros da mais recente convocação de Tite atuam no exterior, Alisson no Liverpool, e Éderson no Manchester City.
Hoje os goleiros brasileiros têm até um 'Dia Nacional' a eles dedicado, em 26 de abril, que seria uma homenagem ao goleiro Manga, o 'Manguita Fenômeno', nascido nessa data. Apesar desse justo reconhecimento, todos os méritos de quem joga embaixo dos paus caem por terra quando ocorrem as falhas, que não perdoaram nem Manguita, nem Taffarel, assim como os mais qualificados nomes da posição. Com os goleiros menos afirmados, como Daniel e Brenno, as traições da bola ganham outra dimensão e podem encerrar prematuramente carreiras promissoras. Isso afeta em especial os goleiros, diferentemente do atacante que perde gols feitos ou dos volantes que pecam na marcação,
Se serve de consolo para os goleiros, aquela máxima antiga - "onde ele pisa, nem grama nasce" - perdeu sentido com os bons gramados dos campos de jogo atuais, mas não deixa de ser exagero afirmar que esta é outra mudança importante na posição.
Já os árbitros aram a contar com a tecnologia a favor, a partir da adoção do VAR. Nem por isso as arbitragens deixaram de ser menos polêmicas. Assim o futebol mantém-se como um esporte pleno de emoções, transformando o árbitro, que deveria ser uma figura secundária, pois é único elemento estranho entre os 22 atletas em campo, num personagem que ganhou uma relevância indevida nos tempos atuais. Assunto para uma próxima coluna.