Só sei que nada sei
Esta semana, aqui na redação do Coletiva, diante daquelas surpresas de descobrir que uma colega jornalista conhece uma amiga (hoje quase formada em Jornalismo) …
Esta semana, aqui na redação do Coletiva, diante daquelas surpresas de descobrir que uma colega jornalista conhece uma amiga (hoje quase formada em Jornalismo) de adolescência de minha filha, eu disse aquela frase banal e costumeira: "o mundo é pequeno!" Ao que o Fraga acrescentou, rápido como sempre: "e o aluguel é caro." Pois ainda ontem terminei de ler um livro de Friedrich Dürrenmatt que reúne duas novelas - Grego Procura Grega e A Pane - e me dei conta que eu comecei minha vida de "crítica" de teatro, nos anos 70, assistindo à peça Rômulo, o Grande, deste mesmo autor suíço considerado um dos grandes da língua alemã. Mundo pequeno. Circular. E tem razão o Fraga - o aluguel é caro mesmo. Principalmente se levar-se em conta as questões da memória, sempre tão matreira, felina e ferina, capaz de nos fazer errar com convicção. Em especial nos meandros da língua que falamos e que temos de usar por escrito, com todas suas armadilhas.
Estando a poucos anos de me tornar uma senhora sexagenária, já ei por mais de uma mudança neste idioma "mátrio", como diria Caetano, com todos os encargos de tira e bota acento, trema, hífen e outros penduricalhos. Houve época, lembro bem, em que a palavra da hora era "instigante". E, trabalhando com jornalismo cultural, era impossível escapar desta praga. Tenho, nos meus arquivos, muitos instigantes espalhados por textos que, pelo resto da minha vida, vão apontar o fatal deslize de embarcar na onda.
Sentiram, né? Só neste início de conversa já usei no mínimo três termos que foram "moda": "da hora", " "na onda" e "sentiram, né?".
Língua danada, o português. Há pouco, recebemos aqui um release em que uma instituição classista ligada à comunicação grafou conserto, no sentido de reparar, com "c" em vez de "s". Não resisti e respondi o mail assinalando o equívoco e recebi um gentilíssimo agradecimento.
Nem todo mundo recebe tão na boa (ôpa! Olha aí outra expressão "muderna", embora não muito) uma crítica. Quem escreve, em especial "nós, da comunicação", que pertencemos a este mundo encantado e pretensioso, acha que seu texto é bom e ponto! E a coisa começa cedo, em geral com aquela boa e terna professora de linguagem que a a mão na sua cabeça e diz: "você vai ser escritora, porque escreve muito bem suas composições". Ok, no meu tempo era composições, hoje é redações.
O caso é que a pessoa se convence e infla! E se cai no jornalismo, corre o risco de, aos 20 e poucos anos, escrever uma besteira qualquer e achar um editor e um crítico literário que se apaixona pela novidade e está feito na vida: um novo Machado de Assis descoberto e entronizado no trono dos grandes da língua escrita. E dê-lhe cronistas de banalidades inchando os jornais e sites.
Dia 30 ado, se completaram 20 anos de morte de um sujeito que virou do avesso a comunicação na televisão brasileira. Ele ficou conhecido como Chacrinha, o Velho Guerreiro, e, ao mesmo tempo que chocava os puristas jogando bacalhau para a platéia, inventava bordões que eram repetidos pelo Brasil inteiro. "Quem não se comunica se trumbica" é o mais simbólico de todos, a meu ver. Porque não adianta saber escrever magnificamente e não saber se comunicar.
Não resolve nada dominar um código técnico e, na hora de traduzi-lo para a conversa do comum dos mortais, fazer o samba do crioulo doido. Epa! É Sérgio Porto pedindo agem, ele que criou o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), e o apelido de "certinhas" para as bonitas de cintura fina e curvas imensas daqueles anos 60, tendo ele próprio se reinventado como Stanislaw Ponte Preta, uma brincadeira que fez com o personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade.
E eu aqui, a cada dia, com uma única certeza: de que muito pouco sei deste mundo misterioso que se chama língua, muito menos desta esquina que se chama comunicação. O que não me desobriga de continuar aprendendo.