Só Deus

Os jornais estão enfatizando, nem podia ser de outro jeito, a crescente violência do trânsito no Rio Grande do Sul. Já há 46 mortos …

Os jornais estão enfatizando, nem podia ser de outro jeito, a crescente violência do trânsito no Rio Grande do Sul. Já há 46 mortos e ainda temos mais meio dezembro pela frente, com todos os excessos de bebidas e drogas, que costumam ser convocados para as nossas comemorações.


O que está acontecendo - a esperança é sempre a última que morre - talvez nos faça entender como a "tolerância zero" baniu a violência das ruas de Nova York e como a tolerância infinita tornou o Brasil um verdadeiro hospício, em que gente decente cumpre a pena da honestidade dentro das grades da in segurança.


Apesar da distorção da militância emburrecida ("Morrem mais bandidos que policiais" era o slogan), a tolerância zero consistiu em reprimir qualquer transgressão, por mais leve que fosse, e foi adotada após as autoridades nova-iorquinas se darem conta de que a violência é uma escada: o primeiro degrau é sempre um delito desimportante, quase uma traquinagem que ou dos limites.


Em Nova York, o problema começou com a molecada pulando as catracas do metrô, para não pagar agem. Depois, vieram o pichamento das paredes e a depredação das estações e dos próprios trens. Como nada era reprimido, a molecada sentiu-se dona do campinho e ou ao assalto a mão armada e chegou com facilidade ao assassinato.


O tolerância zero começou reprimindo os puladores das catracas. A surpresa: diminuíram notavelmente os demais delitos. Razão simples: havendo autoridade, ninguém pretende substituí-la. A natureza não tolera vazios. Onde a autoridade se omite, alguém preenche o vazio: o moleque, o vândalo, o assaltante, o traficante e o assassino. É apenas uma questão de se instituir a autoridade de acordo com o Direito, exercida por quem não se omita, seja por demagogia, preguiça ou covardia, para não deixar a sociedade à mercê da lei do mais forte.


Comparem com o que está acontecendo com o trânsito no Rio Grande do Sul, nesta primeira metade de dezembro, para entender como a tolerância infinita é responsável pelo quadro: é o próprio comandante do Grupo de Polícia Rodoviário de o Fundo que qualifica de "excesso de velocidade" motoristas dirigindo carros a 168 Km horários em um trecho de estrada de 28 quilômetros , "serpenteado por curvas" como diz a Zero Hora.


A legislação penal tipifica este delito como "direção perigosa". Mas tudo o que acontece a esses motoristas, antes de matar ou de morrer, matando inocentes, é uma porcaria de uma multa, que pagam sorrindo, enquanto a mulher, o filho, o sogro, o empregado necessitado "assumem os pontos da carteira".


E porque é assim, para não contrariar a militância burra, para que "não morram mais criminosos do que policias", que o coagido comandante do Grupo de Polícia Rodoviário de o Fundo acrescenta: "A gente se habitua aos acidentes, a ver pessoas mortas".


Que Deus nos proteja!

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

Comments