Sexo na solidão das capitais
Exceção feita ao jogo de interésses, no caldeirão dos desejos humanos quase todos se valem de um critério seletivo na eleição dos parceiros ou …
Exceção feita ao jogo de interésses, no caldeirão dos desejos humanos quase todos se valem de um critério seletivo na eleição dos parceiros ou parceiras sexuais. Segundo este filtro, fantasia-se com alguém cuja aparência física, atmosfera subjetiva e atitudes são desejáveis, desde que tudo se encaixe nos contornos idealizados pelo imaginário. Como a prática é o único critério da verdade, quase sempre o quebra-cabeça intangível não só não se encaixa no plano real, como embaralha o ambiente da sedução.
Lembrem-se do pedacinho de legume que se prende entre os dentes durante o jantar glamouroso; o engasgo num gole de champanhe; o pum traiçoeiro e absurdo naquele cenário de louvor ao charme e às licenças poéticas. A vida não dá trégua e conspira contra as deusas inefáveis e os homens dionisíacos, na verdade caricaturas que povoam os nichos fantasiosos das gentes calcificadas de preconceitos.
De acordo com o filósofo alemão Fiedrich Von Schlegel, um aforismo é a maior quantidade de pensamento no menor espaço, por exemplo: "Não tem tu, vai tu mesmo". Graças a esta pérola do pensamento, a humanidade não para no sinal vermelho das idealizações.
Vai tu mesmo, sim. Tu que eu não reconheço, mas vou descobrir quem é, tu que pode se revelar e me surpreender. Tu que sempre amei sem te conhecer. Tu, feinha; tu desengonçada; tu, tímida e assustada; tu que te julga menos do que é, e é muito melhor do que muitos de nós; tu que arde de esperança na solidão das capitais.
Vai tu mesmo, meu camarada, tu gordo, tu magrão, tu baixinho feio, tu esquisito e calvo, tu retraído, tu solitário, ou tu que espera Godot, ou espera não sei o quê. A tua hora vai chegar - " Não tem tu, vai tu mesmo" - a qualquer momento uma delas vai pensar as palavras mágicas, e aí tu vai, meu irmão. Vai com tudo, vai ser feliz do jeito que dá, se de outro jeito ainda não deu. Não esqueça as palavras mágicas: não tem tu, vai tu mesmo.
E viva Schlegel que, se tivesse vivido no Brasil, iria se encantar com o nosso talento para criar aforismos. Mais alguns exemplos: quem vê cara não vê coração, quem não chora não mama, quem não arrisca não petisca, quem tem pressa come cru, e finalmente o mais lapidar de todos: "Fiz que fui, mas não fui, e acabei fondo". A vida é assim, se você não vai, acaba fondo.