Ser simples é difícil

Superioridade malemolente. Velha epifania. Representação icônica. Bolha de irrealidade. Mulatas sestrosas. Espasmos ansiosos. Espasmos hiperbólicos de paixão e ódio. Circo midiático. Oba-oba míope. Minúcias …

Superioridade malemolente. Velha epifania. Representação icônica. Bolha de irrealidade. Mulatas sestrosas. Espasmos ansiosos. Espasmos hiperbólicos de paixão e ódio. Circo midiático. Oba-oba míope. Minúcias e desimportâncias. Calcanhar fustigado. Sístole de aflição. Pachorrenta inspeção. Arrefecer. Vergastada insólita.


Quem leu o editorial de Carta Capital da semana que termina (tem as bolhas de Ronaldo em close, na capa) e gosta de textos diretos, claros e simples, deve ter tropeçado no mínimo três vezes a cada uma das expressões reproduzidas acima. Lembrei do tempo em que todos os jornalistas do País descobriram a palavra "instigante". Quem não usasse, pelo menos uma vez por semana, em seus escritos, era considerado, no mínimo, alienado. Aliás, "alienado" foi outra destas palavras da hora. Que nem "da hora". É ou não é um inferno a contaminação da linguagem que? "Contaminação da linguagem!?" Viram só? É só bobear, e embarcamos na onda. "Embarcamos na onda" - é ruim. "É ruim"? Desculpem, desculpem.


Escrever não é fácil como acham muitos. Muitos não. A maioria das criaturas que descobre uma certa vocação para a literatura ou jornalismo acha que bastam duas orações bem rebuscadas e está feito um texto perfeito. Há alguns anos, subi nas tamancas ("subi nas tamancas": podem me cobrar esta também) com alguém que conheci na internet quando ele - que escrevia bem e estava louco para ser publicado - se pavoneou (opa!) com o convite de uma amiga da área de comunicação para que fizesse uma entrevista no lugar dela. Não só me acusou de corporativista de registro jornalístico como encerrou a amizade que já tinha quase um ano.


Hoje, observando a quantidade de textos que buscam originalidade em jornais, revistas, sites e blogs e que, em geral, são um desafio para quem quer simplesmente entender o que está escrito, até dou um desconto para o tal amigo da internet que brigou comigo. Fica difícil, mesmo, saber qual é o parâmetro ideal (de novo! Não resisti!) quando achamos títulos como "Ode à truculência", "Os filmes também filosofam", "Sob o risco da inépcia", "A bolha assassina" e "O Maior Espetáculo da Terra" (sim, nomes de dois filmes) e "Picadas juvenis" (sobre vacinação!!!). Até lembrei de outra palavrinha bastante usada nos anos 70, por mim, inclusive: "sofrível". Que significa ável, aceitável, e, principalmente, medíocre. Mas hoje (quase) todo mundo usa no sentido de ruim. Pelo menos eu usava direitinho.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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