Segue o baile

Não sei quanto a vocês, mas Fu Lana anda P da vida com a falta de tempo. Tanta oferta! Na Feira do Livro de …

Não sei quanto a vocês, mas Fu Lana anda P da vida com a falta de tempo. Tanta oferta! Na Feira do Livro de Porto Alegre, dentro daquela programação miudinha, até ela deu uma palestrinha de algumas horas. Umas 30 pessoas, se tanto. Conversa vai, conversa vem e uma menina, nem tão menina assim, de olhos vidrados, perguntou se não ficava chato fazer livros tão bonitos e com temas tão interessantes e colocar a marca de uma empresa (disse um nome poderoso) bem na capa? Veja bem, disse Fu Lana contando até 20. Obóvio que a garota tinha direito de imaginar uma sociedade desvinculada do capital, onde a cultura fosse livre e distribuída a varrer, sem limitação de grana, pois o material seria certamente doado pelas gráficas, que conseqüentemente não teriam funcionários mas, sim, voluntários que se alimentariam de vento. E mesmo o vento hoje já é de uso da propriedade privada, indo pelo mesmo caminho da água.


Coisa linda! Ainda existe a utopia. Deve ser o gen da fantasia e da infância que faz com que as coisas possam remotamente existir desapegadas de sua porção-matéria dentro de um ato de posse.


A resposta de Fu Lana foi compreensiva. Ela descreveu uma situação idêntica, pois seu ado também a compromete. Quando estava na Faculdade de Jornalismo, em plena "abertura lenta e gradual", era aluna em uma disciplina que tratava de Assessoria de Imprensa. Não como é hoje, a assessoria terceirizada e perfeitamente integrada ao sistema. Naquela época, o assessor tinha, na verdade, um emprego na rede estatal e outro na grande imprensa. O funcionalismo era mais ou menos como um cabide de emprego. E eram muitas as opções. Tais criaturas eram denominadas gentilmente de pelegos. Fu Lana e seus tamancos repudiavam essa forma de trabalho, pois o ideal era estar dentro das redações e protestar contra a censura, publicando receitas de bolo nos buracos deixados pelos cortes. Quem fizesse alguma coisa fora dessa opção (valia também praticar um modesto ato de silêncio a cada barbaridade) estava fadado ao desprezo dos hypongas de plantão. E o tal professor resolveu fazer uma média com o pessoal. "Quem quer preencher uma fichinha de emprego em uma assessoria de empresa estatal?", ele perguntou. Foi um alvoroço. Todos gostariam daquela boquinha. Vocês já devem estar imaginando qual foi da reação de Fu. Destruiu com o olhar cada um daqueles fracos de espírito, levantou-se ostensivamente levando um redondo zero na tarefa que era apenas um exercício de aula.


Contou essa historinha para dizer que já foi contra tudo e contra todos. E que, agora, não é a favor nem contra, depende, vamos ver, muito antes pelo contrário e depois falaremos sobre isto.


A menina entendeu que iria pelo mesmo caminho e fez um muchocho de quem perdeu a parceria.


Assim, a humanidade se renova. Graças aos novos filhotes do ninho que perguntam sempre a mesma coisa, como que lembrando que provavelmente não teríamos nascidos assim tão mesquinhos. Que seria preciso aprender, durante muuuuuitos anos, a conviver com defeito tão complexo e dominante.


Êta, vida.


Terminou a palestra e Fu Lana voltou para seu ninho, para ler, naquela noite, a lista de coisas imperdíveis das quais ela não pôde participar.

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