Se Deus existe, não é este que incita a violência

Por Márcia Martins

Antes de tudo, declaro que não sou católica, apesar de ter sido iniciada em alguns ritos de tal religião quando criança, como o batizado e a crisma, por vontade de meus pais. Também não sou cristã e não acredito em Salvador, Messias ou qualquer outro ser superior, divino e que comande o destino das vidas de um planeta inteiro olhando tudo de um lugar superior e ignorado. Sou uma pessoa que, às vezes, tenta esboçar algumas orações ao dormir, já buscou es em Centros Espíritas, tem uma grande simpatia pelas religiões de matriz africana e a casa enfeitada de budas, fadas, duendes e uma imagem de São Francisco.

Mas, apesar de tanta descrença e confusão religiosa de minha parte, acredito que, se Deus existe (e tenho o maior respeito por quem cultua esta fé), não é um ser que incite a violência. E menos ainda, um Deus que, impedido de cometer algum ato de violência, tenha a insensatez de estimulá-la e delegar tal missão aos seus seguidores.

Logo, o Deus evocado pelo pastor André Valadão, que destilou ódio contra a população LGBTQIA+, durante um culto na filial da Igreja Batista da Lagoinha, em Orlando (Estados Unidos), transmitido pelo seu canal no Youtube e em suas redes sociais, não existe. É uma alucinação, uma visão, um transtorno do tal pastor. Na pregação feita no dia 2, Valadão disse: "Aí Deus fala: não posso mais, já meti esse arco-íris aí, se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi para mim que não posso, então agora tá com vocês".

O pastor afirmou que os seguidores de Deus deveriam fazer o que ele não pode fazer no momento e matar as pessoas da comunidade LGBTQIA+. Valadão assegurou que se pudesse, Deus mataria a população LGBTQIA+, mas como não pode, falou para os fiéis "irem para cima". Reforçando toda a homofobia que já demonstrou em diversos outros cultos assistidos por milhares de seguidores, Valadão também comentou que até dentro das salas de aulas as "drag queens" estão se infiltrando. Vejam só (contém ironia de minha parte).

Não é possível incitar ninguém a matar em nome de ninguém, muito menos ainda em nome de Deus. Não há explicação plausível para tal despropósito. E não adianta agora o pastor dizer que foi mal entendido e que fazia referência a um trecho bíblico de Gênesis. Não tem remendo!

Chega de impunidade para quem estimula e incita qualquer ato de violência contra a comunidade LGBTQIA+. Ninguém tem nada, absolutamente nada, se Joana ama Regina, se Miguel ama Leandro, se Maria quer ser João e se João quer ser Maria. Que cada um cuide da sua vida. E procure ser feliz. Por que gente feliz não incomoda os outros. Alguém já disse e eu repito: "não importa a pergunta, a melhor resposta é sempre o amor".

Mas se existe realmente um Deus, independente de qualquer interpretação, ele certamente não aprovaria o crime de LGBTfobia cometido pelo pastor que diz falar em seu nome. E jamais iria orientar que seres humanos matassem outros seres humanos.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comments