Sangue invisível
Poderia a Alemanha estar desinformada sobre o extermínio de judeus durante o Holocausto? Poderia um homem de princípios apoiar o III Reich e, mesmo …
Poderia a Alemanha estar desinformada sobre o extermínio de judeus durante o Holocausto? Poderia um homem de princípios apoiar o III Reich e, mesmo sendo capitão, não estar a par das ações insanas do governo alemão?
Fica essa dúvida ao assistir Um Homem Bom, filme com direção do brasileiro Vicente Amorim. No entanto, a bem da verdade, as informações sobre o que se fazia aos subversivos no Brasil, durante a Ditadura Militar, também eram quase um segredo de Estado. O próprio presidente da República, Emilio Garrastazu Médici, afirmou que não havia tortura no Brasil quando foi interpelado pelo escritor Nélson Rodrigues, que exigia esclarecimentos sobre a prisão de seu filho, sequestrado e torturado pelo regime militar.
É claro que Médici estava blefando, mas a verdade é que Nélson não sabia se era verdade ou não. E, como ele, muitos brasileiros estavam por fora, pensando que o Brasil ia muito bem obrigado, e que não havia em nosso país tropical nenhum motivo para o desencanto do público para com seus líderes máximos.
Poderia ter sido assim na Alemanha. E ficar de fora, naquele país e naquela época, significava ser preterido, perder o emprego e não ter como sustentar a família.
À porta de Viggo Mortensen foi cantar uma loira inocente, sua aluna, tentando lhe convencer que o governo Hitler estava deixando as pessoas contentes, que avam a acreditar no desenvolvimento e no crescimento do país. O que era feito de seus inimigos não era problema de um homem bom. A mocinha, Jodie Whittaker, era o próprio Reich e a morte em massa personificada em cobiça e vaidade. E o homem bom, nem tão bom assim, entrou naquela viagem ariana, em que bastava não pensar muito.
O personagem de Viggo imaginava ouvir música, em situações adversas. Esse era o sinal de que havia algo errado no ar. Ele ouvia a música preferida do governante alemão, na intenção de acreditar que tudo estava bem. Porém, a música era apenas uma forma fantástica da consciência dizer a ele que a realidade não era aquilo que ele estava imaginando, ou desejando que fosse.
E, naquela realidade, a música não se encaixaria de jeito nenhum.
No entanto, quando a música foi real e com ela trouxe à tona as inacreditáveis ações desumanas contra o povo judeu, era tarde demais. E o homem bom viu seu real reflexo em um espelho cruel.
Hoje, os judeus bombardeiam escolas e matam civis. Defendem-se, dizem, de terroristas que atacam impiedosamente e sorrateiramente seu país. Só que, desta vez, todos sabem tudo. E não há homens bons e com algum sentido ético que possam se isentar de ver a realidade. A questão é decidida dente por dente. A lei que vale é a lei dos homens que disputam as mesmas terras. Para isso, matam-se uns aos outros, para que vença aquele que sobreviver.
Se depender da força bélica, apoiados pelo Ocidente, os isaelenses vão levar a melhor. Mas o mundo está manchado de sangue. E na falta de uma opção pacífica, todos nós, homens bons, estamos ivos frente à matança. Até que surja um diplomata com a força de um Osvaldo Aranha e ouse propor a nova cessão de terras para o povo que estiver despatriado.
Uma questão em que ninguém ousa intervir. Assim como na Alemanha, ouve-se uma estranha música. Sabemos que algo não está bem, como desejaríamos que estivesse. No entanto, a vida continua e algo que deixa as pessoas felizes não poderia ser tão maléfico assim.
Afinal, quando vamos ouvir a verdadeira melodia e enxergar nosso próprio reflexo no espelho?