Saia de saia e saia do silêncio
Tudo voltou ao normal. Se é que esta palavra pode ser utilizada para descrever o que ocorreu na Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), …
Tudo voltou ao normal. Se é que esta palavra pode ser utilizada para descrever o que ocorreu na Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), em São Bernardo do Campo, a 21 quilômetros da capital paulista. Desde o dia 22 de outubro, a instituição ocupa as páginas dos grandes jornais e o noticiário na mídia eletrônica nacional e internacional por servir de cenário para atos de vandalismo e discriminação. Na data, 700 estudantes da Uniban, em protesto pela veste "indevida" de uma aluna, mostraram que a selvageria pode tudo e que talvez se tenha que queimar, novamente, sutiãs em praça pública.
Naquela noite, uma estudante de 20 anos do 1º ano do curso noturno de Turismo da Uniban foi hostilizada, xingada, ameaçada de estupro, entre outras barbáries, por vestir um microvestido rosa. Dentro da faculdade, é claro. Cercada pela segurança que a instituição oferece. Ouvindo dos seus colegas, estudantes universitários, que se acotovelavam nos corredores para desfrutar da visão de alguma parte do seu corpo, palavras e gritos de animais no cio. A roupa que provocou tanto tumulto seria um traje para a balada acertada mais tarde com o namorado da estudante.
ados 20 dias das cenas que remetem à ignorância de outros séculos, a Uniban expulsou a estudante; o Ministério da Educação (MEC) informou que iria averiguar os atos; os movimentos sociais reclamaram; a estudante concedeu entrevistas; a universidade voltou atrás e reitiu a expulsa e o MEC repensou. Assessorada por advogados, a estudante processará a faculdade, e comenta que existem indícios da ocorrência de sete crimes: difamação, injúria, constrangimento ilegal, ameaça, cárcere privado, ato obsceno e incitação ao crime. E deverá voltar a frequentar a Uniban porque já pagou todo o ano letivo.
A intenção da Uniban, alçada à fama não pelo seu desempenho escolar e sim pela deseducação protagonizada pelos 700 alunos, é abafar o caso. Desviar a atenção. Silenciar a dor do tumulto. Vestir as mulheres da ponta do dedo dos pés até o último fio de cabelo. Deixar impune os selvagens estudantes que não aceitam o livre arbítrio, a liberdade sexual, a opção de todos para decidir pelos seus atos, inclusive na escolha de uma roupa. Evitar maiores investigações porque a bosta pode respingar (no início do ano, outra aluna foi perseguida e humilhada na universidade pelos seus colegas).
O silêncio que alguns pretendem, no caso, é uma forma velada de dizer que a culpa é da estudante, ao provocar com sua seminudez, ao desfilar de pernas de fora, ao não saber se apresentar em um local de estudo, ao não aceitar uma roupita de emergência para lhe cobrir de pudor, ao excitar os homens. Meu Deus. Como é conveniente inverter os papéis. Assim, não se fala na ausência de formação daqueles que protestaram, da falta de estrutura da universidade, da falsa bondade das colegas que se prontificaram a tapar a estudante. Da hipocrisia das alunas que gritaram e do sexo reprimido dos alunos que berravam pelo estupro.
Como se fosse possível apagar o dia 22 de outubro. Como se os direitos humanos não tivessem sido desrespeitados. Como se existisse um manual de instrução de se vestir. Como se a estudante fosse uma aproveitadora e até em capa de revista irá posar.
Em nome das companheiras que puxaram a bandeira do feminismo com a queima de sutiãs. Em nome das Simones, das Rosas, das Marias de pernas de fora ou tapadas. Em nome das mulheres que militaram e militam no feminismo. Não vamos aceitar caladas este retrocesso.