Sai daí, Zé!

 José Dirceu poderia pedir pensão de ex-guerrilheiro, fenômeno tipicamente tropical, e retornar à planície antes de afundar de vez o PT. De ado engajado, …

 José Dirceu poderia pedir pensão de ex-guerrilheiro, fenômeno tipicamente tropical, e retornar à planície antes de afundar de vez o PT. De ado engajado, fundador do Partido dos Trabalhadores, homem-chave na campanha de Lula à Presidência, deveria poupar-se de certos dissabores. Quando a platéia começa a atirar ovos, o melhor a fazer é sair de cena enquanto é possível preservar alguma dignidade. Se um homem é inocente até prova em contrário - máxima jurídica revogada pelo PT até chegar ao poder -, também é improvável sair tanta fumaça de uma simples a esquecida ao fogão.


Quando Valdomiro Diniz foi flagrado pedindo propina - só 1%, o que mostra que ele pode ser corrupto, mas é modesto -, a mídia apressou-se a classificá-lo como "ex-assessor" de Dirceu. Sim, ele foi demitido em seguida, o que era o mínimo a ser feito, mas cometera o delito enquanto ocupava o cargo. O "ex" foi uma deferência especial ao companheiro Zé. Também não há registros de indignação quando o governo conseguiu impedir a instalação da I dos Bingos.


A crença de que a mídia amiga não lhe subtrairia o sono com bobagens como essa lhe permitiu continuar a governar o Brasil, afagar a companheirada com cargos e semear inimigos com a voracidade dos que se julgam acima de revanches políticas e imunes a ter de fazer mundanas prestações de contas ao povo.


Acuado pela evidência de que o velho camarada era citado em nove de dez acusações de corrupção ou desvio de conduta, Lula de pronto atendeu ao pedido do deputado Roberto Jefferson, pronunciado com volúpia e os olhos fixos na câmera: "Sai daí, Zé!". Saiu, mas deixou claro que pretendia seguir mandando: "Vou continuar governando o Brasil", declarou em discurso no qual a esperada contrição converteu-se em ameaça.


Convocado a largar um dos mais importantes ministérios da nação, cuja visibilidade lhe tornaria viáveis vôos mais altos, e assumir a condição de duvidosa honra de ser o timoneiro do PT rumo ao estaleiro para reparos urgentes, Tarso Genro topou com o iceberg renitente. Lá estava o Zé, agarrado ao osso feito cão vadio. Pela primeira vez, Jefferson e Tarso estavam de acordo: "Sai daí, Zé"!, repetiu o mantra o ex-prefeito. Sabe-se lá que argumentos Lula invocou a portas fechadas, mas Tarso desistiu. Talvez não convenha provocar um homem tão bem informado.


Ricardo Berzoini já assumiu a candidatura fazendo o mesmo pedido: "Sai daí, Zé!". A todas essas, o Zé deve confidenciar ao travesseiro: "Os incomodados que se retirem". Ainda que seja o país inteiro.

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Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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