Sabiás na madrugada
Fiz a pergunta pro Uncle Google: por que os sabiás cantam às 4 horas da madrugada? Apareceram 687 mil respostas! Nenhuma muito esclarecedora, a …
Fiz a pergunta pro Uncle Google: por que os sabiás cantam às 4 horas da madrugada? Apareceram 687 mil respostas! Nenhuma muito esclarecedora, a meu ver.
A questão pode parecer fútil, descabida, descabelada de quem tem insônia, como eu. Mas tenho visto tanta gente se queixando de que os bichinhos acordam o mundo a esta hora, sem mais nem pra quê. E tem até uns radicais que andam munidos de pedrinhas para contra-atacar o canto madrugadeiro dos bichos. Pior: estão perdendo a guerra, porque, na escuridão, nem sabem de onde vem o canto.
Eu tenho uma pitangueira, velha e tapada de parasitas, que está da altura do edifício e até agora me servia de cortina natural em relação ao edifício dos fundos. Andei podando um pouco os galhos, pois traziam formigas para dentro de casa ao encostar na janela do quarto, e também porque os arinhos, de todos os tipos e tamanhos, pousados nos ramos mais altos, faziam o peitoril - em que estendo edredons, travesseiros e roupas para arejar e pegar sol - de banheiro.
De todo modo, queria dizer que a pitangueira, embora velha, desgalhada, parasitada, está, de novo, carregada com seus frutos vermelhos, para desespero dos novos moradores do apartamento térreo, em cujo pátio a árvore está fincada. É um tapete sem fim de pitangas. E, óbvio, a arinhada adora.
Independentemente de ter ou não pitangas, os sabiás vivem por ali. E em volta do edifício, em toda a área. Na madrugada, um deles dá o aviso e pronto: começa o concerto. Um chama daqui, outro responde de sei lá onde e ninguém mais tem sossego. Se é bonito? É. O raio é precisar dormir para levantar cedo no outro dia e fazer o que sabiá algum precisa fazer: arrumar cama, limpar casa, lavar louça, ir ao supermercado, e, claro, trabalhar.
Escolhi me informar sobre o trovador das madrugadas num site chamado Saúde Animal, que tem até um link para a gente ouvir o canto do sabiá. Cliquei. Dodô e Occhi, meus dois vira-latas, torciam a cabeça, impressionados com o canto dentro de casa, procurando pelo autor. É um canto límpido, colhido na melhor espécie de cantoria.
Sim. Há cantos e cantos, diz o site. Que é implacável quando afirma: "podemos vê-los (os sabiás) em densas populações nas cidades de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba, Campo Grande, Cuiabá, Porto Alegre e Rio de Janeiro, talvez pela falta de inimigos naturais ou muitas árvores frutíferas nos quintais. Nesses locais, infelizmente, os respectivos cantos são de péssima qualidade."
Vai ver, é a poluição que interfere na qualidade, pensei cá comigo. Ou, então, é porque eles não estão cantando em sua árvore-madrinha, já que o nome certo do cara bom de bico é sabiá-laranjeira. Ou ele é um ser adaptável e humilde que, na falta de pés de laranja, se acomoda em qualquer outra árvore, ou é um tremendo volúvel, que fica mudando de casa a todo momento.
Seja como for, ainda não consegui saber a razão do Turdus rufiventris (nomezinho científico da criatura!) ser um trovador da madrugada. De repente, pensei, as sabiás ficam mais sensíveis às cantadas horas antes do amanhecer e gostam, ao contrário de muitas mulheres, de ser despertadas por seu amado e/ou pretendente no olho da noite, em alto e bom som.
Não. Acho que não. Porque o site de que falei diz que "quando não estão em processo do choco ou na fase do fogo e que a libido está em alta, quase não cantam e podem ser vistos agrupados, especialmente no chão a comerem frutos e insetos." Então, não tem a ver com sexo toda essa cantoria?
E fico eu, aqui, a esta hora da manhã, pleno meio-dia, quando escrevo estas linhas, ouvindo um da tribo serenateira trinando em algum canto do bairro Auxiliadora. "Uma maravilha da natureza, uma sinfonia, o canto do sabiá laranjeira. Existe uma infinidade de dialetos, cada região possui o seu próprio. A maioria são lindíssimos, os mais importantes são: o cai-cai-balão, o camboriú, o to-to-ito e o piedade", comenta o site que ensina a ensinar o sabiá criado em gaiolas a cantar.
Mas, pelo amor de Deus! Quem tem coragem de prender um sujeito boêmio e encantador como este, mesmo que ele viva interrompendo nosso sono? Tenhamos dó do sabiá! E vamos curtir seus trinados. Que, a bem da verdade, são mais agradáveis que os do bem-te-vi, repetitivo e monótono e do quero-quero, agressivo demais pro meu gosto.
Boa arinhada a todos, nas madrugas. No bom sentido, claro.