Rumo ao sem rumo
Lá é onde você quer chegar? Se desoriente que năo tem erro. A celeste abóboda, lá, é abobada ? com o que assiste. E …
Lá é onde você quer chegar? Se desoriente que n?o tem erro. A celeste abóboda, lá, é abobada - com o que assiste. E o horizonte local, para circundar a imensa confus?o que abarca, gira em torno dos 720º. Nas circunstâncias mais propícias, chega a locupletar 1080º . A topografia de lá há muito já se transfigurou e o que era interminável planura agora é chatice sem-fim. Sim, a paisagem se avista, desde que à vista. Quanto à localizaç?o - aqui você está eternamente no advérbio aqui - há placas indicativas. Em letras a vencer. Lá os cruzamentos, se se cruzam, seguem de onde n?o vieram pra onde n?o ir?o, e em cada encruzilhada nenhum despacho se vê - ninguém despacha mais nada por lá. As vias s?o largas, e nessa largueza cabem a m?o, a m?o boba, a contram?o e as contradições, que trafegam trêfegas. Por via da certeza de impunidade, o fluxo da capital e o de capital d?o preferência um ao outro, circulando à vontade entre circulares também lampeiras. Essa notável facilidade de locomoç?o deve-se à monumental falta de um eixo ético. De qualquer modo ou moto, siga em frente, a cidade tem excelente plano diretor. Mas como lá cada diretor tem seus planos por debaixo dos planos, o que resulta é uma invisível planificaç?o. Numa escala de um a milh?o, todos os escal?es se escalam aos milh?es. Repare nas silhuetas e fachadas dos prédios: seus ângulos - retos, agudos, obtusos - s?o sempre parentes em primeiro grau da vertigem. Os fios de prumo se aprumam, todos, por referências diagonais. E a ausência das esquinas n?o significa que n?o existam esquinaços - antes de retornar à realidade, cada visitante recebe o dele. Continue, confie nos seus sentidos, sobretudo se lá n?o fizerem nenhum. Ah, preste atenç?o nos sons de lá. Você perceberá, sob o matraquear das maracutaias, o rumor dos mármores sobre os espelhos dágua. Hein, mármores n?o rumorejam? Vai ver é o ronronar das ilicitações, esparramadas ao sol da liberdade. Lá, ao redor dos interesses construídos e bem defendidos, há outras áreas ainda preservadas, descampados onde a ganância brota sem exigir regas e viceja em paz. Nesse território sem lei, as vacas ficam mansamente à espera do brejo, que nunca demora ir até elas. Nesses e em todos os espaços, imensos (aliás, como a esperança que n?o cabe lá) você vai perder a direç?o incontáveis vezes. Épocas e nomes, lugares e fatos, eventos e memória, tudo se tumultua numa desordem imperativa de desmando e desfaçatez. Lá é a zorra do zorrilho, bicho que o reino da Dinamarca jamais cheirou igual. Vá em frente. N?o tem como errar: lá ninguém acerta nada mesmo. Lá é Brasília. |
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Que mal pergunte: · A cada autêntico corresponde um cadafalso? |
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Poeminha incomensurável Durante uma hora a empregada Em instantes a dona de casa Num zás o menino travesso Por uma eternidade me pergunto: |
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