Rascunho de vida
O Poema(Para Rachel, minha filha)Não tão avaroComo o hai-kaiMas breveComo a vida (Por mais longa…) Quando li, em 23 de janeiro, o "Pensamento do Dia", …
O Poema
(Para Rachel, minha filha)
Não tão avaro
Como o hai-kai
Mas breve
Como a vida
(Por mais longa?)
Quando li, em 23 de janeiro, o "Pensamento do Dia", do Jornal da Ciência da SBPC, "A vida é um rascunho do sonho de vida", de minha autoria, fui alertado por um sentimento de urgência e resolvi fazer um levantamento desse "rascunho".
Se minhas coronárias permitirem que eu chegue a julho, serão 76 anos. Esse tempo tem duas vertentes: a vida que eu levei e a vida que me levou. Em 1955, decidi sair de São Paulo, minha terra, e vir para o Rio fazer teatro. Em 1957, aceitei um convite do Abujamra e fui para Porto Alegre dirigir uma peça. Dirigi três, voltei para o Rio, participei da inauguração de um teatro de arena em Campo Grande, Zona Oeste, onde eu já inaugurara o Teatro Arthur Azevedo. Retornei a Porto Alegre, criamos e construímos o Teatro de Equipe.
Fui crítico teatral, chefe de reportagem e colunista na Última Hora gaúcha e, em 1964, a ditadura obrigou que a vida me levasse de volta para São Paulo, um fugitivo desempregado com 33 anos de idade.
Levado - por amizade - à publicidade, fiz carreira e resolvi voltar para o Rio, pois tenho dificuldades para viver na São Paulo das últimas décadas.
As manifestações do início de vida cristalizaram-se em atividades remuneradas: aos nove anos, eu escrevia para o Nosso Esforço, jornal da minha escola; aos dez, participava como intérprete dos festejos pan-americanos; aos quinze, organizava shows mensais na escola, onde, como ator, estreei em peça de Machado de Assis e comecei, ainda, a atuar em grupos amadores, quando também estreei como diretor.
Desde festinhas de aniversário a formatura, fui orador, atividade na qual não ganhei um único centavo discursando, mas antes de ir trabalhar na Rede Globo, já recebia um fee mensal para escrever discursos, palestras e conferências para o diretor-geral, Walter Clark.
Na Fundação Roberto Marinho, eu escrevia os discursos do próprio. Inaugurei a carreira de ghost writer com quinze anos, como amador, quando, a pedido de um colega e amigo, escrevi uma carta para a namoradinha que ele arranjara no Rio.
Esses caminhos todos poderiam, acho, pelos fatos dramáticos, amenos e hilários, conquistar alguns leitores se descritos num livro de memórias.
Preferi dar um balanço no que já escrevi - três livros e outros dois de parceria -; peças e partes de peças teatrais; um espetáculo sobre Mario Quintana escrito a pedido do ator Rogério Fróes; dois ou três contos; centenas de crônicas e artigos; alguns versos bissextos, centenas de frases e artigos publicados num minipasquim - Semana -, o qual escrevo e edito há 146 números; 4 revistas comemorativas e de luxo, além da revista sobre a Barra da Tijuca, da qual sou o diretor.
Quanto à ditadura, ganhou um texto-vomitório público numa leitura coletiva patrocinada pela Feira do Livro, de Porto Alegre, em 2003.
O livro Antonio"s, caleidoscópio de um bar, lançado em 1992, apesar de esgotado, ficaria anacrônico numa segunda edição, o que não ocorre com parte dele, principalmente os indefectíveis "causos" que serão recontados.
Nos último três anos escrevi uma novela, a qual receberá o ponto final, para ganhar publicação na íntegra. Usei um título provisório emprestado de Gogol, Diário de um louco e agora batizada como Eu não me chamo Roberto - Diário de uma amnésia.
Começa assim:
"? Ela entrou na minha vida como uma avalanche entra na vida dos soterrados, fazia-se presente mesmo sem estar, cobrava minha atenção todos os segundos, atropelava-me, sorria, me telefonava da privada e esquecia de puxar a descarga do que deixava nos meus ouvidos, ansiosa de me falar, trazia-me da Serra coisas que, espargidas aos ventos, deixavam-me vesgo, como o coração que já o estava. Quase não havia encontros, o relógio gritava: não tenho tempo, tenho pressa. Ela nunca esteve, é claro, mas saiu sem estar, sem nunca ter estado e, em sonhos e mais sonhos, havia uma alvorada que não alvorecia, o crepúsculo chegava depois das escuridões e, num instante, só num instante de lucidez, percebi que séculos de orvalho poderiam deixar meus cabelos, mais que brancos, extintos? Quando o psiquiatra disse à enfermeira para me dar uma cápsula, comecei a orar para o Divino, pedindo que Ele poue, doutor e enfermeira, de ter que tomar o mesmo remédio?"
Decidi, em vez de memórias - vou tentar lançar o "Almanaque do Mario", uma "costura" daquilo que acho que possa interessar ao leitor de hoje.
Diga-me leitora, leitor amigo, esta coluna, com alguns cortes e acréscimos, muito bem penteada, poderá ser o prefácio do Almanaque?
Inté.