Quinta-feira de Endoenças

O  palavrão do título refere-se à Quinta-feira Santa, quando a Igreja católica celebra a instituição da eucaristia na última ceia de Jesus Cristo. Com …

O  palavrão do título refere-se à Quinta-feira Santa, quando a Igreja católica celebra a instituição da eucaristia na última ceia de Jesus Cristo.


Com despudor total confesso que sou um animal paleolítico: desfrutei por anos essa quinta-feira, início da Semana Santa, quando então era feriado nacional.


Dois dias depois, aleluia (!), dependurava-se num poste um boneco de roupas velhas, colocava-se num cartazete o nome de um infeliz e, às 12 horas, malhava-se o político odiado ou o comerciante mais ganancioso do local. Martins Pena, em 1844, escreveu a comédia em um ato, Judas em Sábado de Aleluia.


Bons tempos, diriam os saudosistas, tempos antigos, digo eu, que não sou inglês, mas, além de pontual, sou cuidadoso nas afirmativas.


Dia seguinte, acompanhada por e-mails, cartões e votos de feliz domingo (o Ano Novo é bem mais generoso!) vem a Páscoa.


Apesar do ovo - símbolo maior da data - representar a esperança de uma nova vida e o coelho - pela sua incontinência sexual e extrema fertilidade - reforçar essa esperança, o paradoxo é a maior incidência de óbitos entre os diabéticos. Recebi do leitor do Rio Grande do Sul, José Carlos Teixeira, acompanhando os votos tradicionais, uma "estação" da Via Sacra de Aldo Locatelli, o italiano de Bérgamo (1915) que veio da Itália para pintar afrescos na catedral de Pelotas, enamorou-se da terra e virou gaúcho.


O nome de Locatelli acordou a memória e alavancou viagens e amizades. Com esse material estou costurando o que você (tu?) está lendo agora.


Conheci Locatelli em Porto Alegre , no fim da década de 1951, e irei sua Via Sacra na Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul quando, em 1957, fui fazer uma palestra na Aliança sa daquela cidade serrana.


Na catedral de Pelotas presenteei meus olhos com os afrescos dele, também quando fui fazer uma palestra lá e voltei, em 1961, para apresentarmos O Despacho e comer os deliciosos e famosos doces pelotenses.


Quando Locatelli se foi, em 1962, eu inda morava em Porto Alegre e era chefe de reportagem da Última Hora gaúcha.


Uma das mais famosas obras do artista, um grande afresco no Aeroporto Salgado Filho, A Conquista do Espaço, era mais conhecida na cidade como Suruba no Aeroporto.


Cândido Portinari, considerado o mais importante pintor brasileiro, com obras no mundo inteiro, nasceu em Brodowski,então apenas um vilarejo, distrito do município de Batatais, em 1903.


Imagine a caipirada paulista e os oriundi italianos tentando falar Brodowski, um sobrenome proparoxítono, proeza que até hoje o povão nordestino não consegue e tornou famoso o Padim Ciço. Brodowski, é claro, virou Brodósqui, legalizou-se como tal e só voltou, por lei, em 1980, ao nome do engenheiro que, em 1893, plantou uma estação de trem no meio dos cafezais. Mas se você entrar no site Prefeitura Municipal de Brodósqui, está entrando lá mesmo.


Pois bem, em 1982, por indicação de João Carlos Magaldi, entrei em contato com João Cândido, filho do pintor e que estava à frente do Projeto Portinari, cujo objetivo era cadastrar toda a obra do pai.


Nessa época, O Globo publicou artigo de página inteira cuja manchete era Portinari, o pintor. Um famoso desconhecido. O repórter perguntava: "? Mais de 95% da obra do maior pintor brasileiro contemporâneo hoje é inível ao público, guardada em coleções particulares. O que foi feito do trabalho de um homem que durante toda a sua vida exprimiu emocionadamente a alma, o povo e a vida brasileira?".


A matéria trazia um terrível registro do escritor Antonio Calado que verificara, pessoalmente, que "o Museu de Arte Moderna de Nova York possuía mais informações sobre Portinari do que todas as instituições brasileiras reunidas".


Saí daquele encontro com João Cândido impressionado pelo tamanho e pela irresponsabilidade da nossa omissão.


Ganhei carta branca para pilotar o apoio das Organizações Globo ao Projeto Portinari. 


A proposta do João Cândido era clara e objetiva: mobilizar todos os proprietários de obras do artista e fontes possíveis para cadastrar, fotografar e criar um acervo virtual.


A Fundação Roberto Marinho, na qual eu dirigia os departamentos de Imprensa, Propaganda e Relações Públicas, acionou toda a "mídia da casa": emissoras de rádio e TV próprias e de suas afiliadas, mais jornais, com uma cobertura completa das regiões do país.


Filmetes para TV, spots de rádio, matérias e anúncios para a imprensa promoveram o programa e seus objetivos em escala nacional.


Hoje, o acervo do projeto é resultado do levantamento e da catalogação de quase 5.000 obras e aproximadamente 30.000 documentos relacionados a essas obras.


Há décadas, aproveitei uma ida a Ribeirão Preto, onde ei dias num trabalho para o Telecurso e dei um pulo a Brodowski, para visitar a casa do Candinho - apelido familiar -, que agora é o Museu Portinari, onde estive alguns dias antes da abertura oficial.


Como quem estava lá, estava muito perto de Batatais, mais um pulo e, na matriz do município, apreciei a Via Sacra de Portinari, quando a secretária de Cultura local me apresentou as personagens verdadeiras - familiares e amigos do artista - representando as figuras históricas daquela tragédia. A mãe do artista estava também lá, devidamente retratada.


1984.


O arcebispo do Rio, Dom Eugênio Salles, e Roberto Marinho acertam uma exposição de arte sacra na Casa do Bispo, então sede da Fundação Roberto Marinho, do pintor Mario Mendonça, que eu não conhecia.


A tarefa me foi entregue e, marcada a primeira reunião, descobrimos que morávamos a 300 metros um do outro, no Condomínio Novo Leblon. Somos amigos há 25 anos.


Chamei o profissional Irênio Maia para organizar a exposição e convoquei o poeta, escritor e crítico de artes plásticas Walmir Ayala, amigo comum, para fazer a  apresentação da mostra no catálogo da mesma. Na ocasião o xará (tocaio em gauchês)  comemorava seus primeiros 50 anos.


1992.


A Igreja de Santo Agostinho, no Condomínio Novo Leblon, inaugura a Via Sacra do Mario. Anos depois ele me pede que volte à Igreja, analise a obra e diga qual a tela que mais gosto.


Acabei escolhendo uma invenção dele, a "14ª estação", uma bela metáfora de Jesus dada por finda sua trajetória terrestre e o artista dando por concluída a obra.


Dias depois abro em casa uma embalagem onde se encontra o estudo de Jesus na "estação" da minha escolha: um presente!


Mario é assim, imprevisível e generoso.


2006.


Mario Mendonça, na condição de artista plástico, recebe o Golfinho de Ouro, distinção do Estado do Rio de Janeiro e dos mais importantes prêmios da cultura brasileira.


2009, 12 de abril.


Domingo de Páscoa e último dia da Quaresma, ou seja, 47 dias depois da Quarta-feira de Cinzas, quando não se contam os domingos do período.


Essa versão acima é a mais plausível de todas que tentam estipular o último dia da Quaresma. Há tanta insanidade a respeito, proveniente de fontes até então insuspeitas, que suspeito não ser apenas o Lula que tem nove dedos nas mãos.


Não se assustem se alguém afirmar que o último dia da Quaresma é quando o Natal cai num domingo.


Inté.

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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