Querubins

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Os anjos voam porque não levam nada a sério".

G. K. Chesterton.

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Um dos menos conhecidos escritos de Gilbert Keith Chesterton, O Homem Eterno, não apresenta um Padre Brown às voltas com criminoso em busca de perdão. Em seu lugar, desdobra uma série de questionamentos filosóficos e até teológicos. Ele fala sobre um de seus heróis na Igreja Católica, o Papa Leão XIII, que costumava fazer as orações diante de um quadro de Raffaello Sanzio da Urbino, a Madona Sistina. A partir dos enigmas embutidos na pintura, G.K. Chesterton cria indagações e lança paradoxos.

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A primeira indagação - o que levou um teólogo e reformador como Leão XIII a escolher uma madona em particular, entre tantas outras que ornam as paredes do Vaticano? Estudiosos como o historiador de arte Giorgio Vasari, sinalizam que a Madona Sistina é uma obra que sempre desafiou leituras e interpretações. Pintado em 1513, o quadro mostra a Virgem e o Menino - mas, ao contrário das madonas clássicas - olham frontalmente para o espectador. Eles são ladeados por um São Sixto, que reproduz as feições de Júlio II, o papa protetor das artes e por Santa Bárbara que tem o perfil de Lucrécia Della Rovere, a sobrinha favorita do pontífice.

O escritor inglês assume a teoria de Vasari que o destino da Madona Sistina teria sido o monumental sepulcro de Júlio II, o que explicaria as cortinas sepulcrais que se abrem sobre a Virgem e a inclusão de Santa Bárbara, que foi a confortadora de São Sixto em seus últimos instantes de vida. 

E finalmente, a dupla de querubins (adicionados mais tarde ao pé do quadro) que eram associados às homenagens fúnebres a cardeais e figuras importantes do clero. Mas não ou em branco a Vasari - nem a Chesterton - que estes mesmos querubins voltariam mais tarde, em outra obra-prima do mestre, A Virgem da RosaAgora, eles são dois meninos que, sob o olhar melancólico da Virgem e do sombrio silêncio de São José, aguardam o momento de assumir o destino previsto pelos profetas, Rafael os retrata em sua identidade futura - o Menino Jesus e João Batista. 

Aqui, Chesterton lembra a permanente - e às vezes infrutífera - busca do escritor por palavras capazes de descrever os mistérios do sagrado, enquanto gênios renascentistas como Rafaello Sanzio ou Michelangelo Buonarotti podiam fazê-lo em poucas pinceladas.

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E conclui lembrando uma afirmação de Dostoievski: que em cada ser humano existe um buraco do tamanho de Deus. As heresias antigas e o retorno do paganismo esqueceram o detalhe, mas os florentinos de Julio II mostraram como se pode preencher as dores e ânsias espirituais do homem eterno. 

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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