Quem lê tanta notícia
O sol nas bancas de revista… Pensava que era apenas o verso de uma letra de música. O autor, Caetano Veloso, namorava (e casou-se) …
O sol nas bancas de revista? Pensava que era apenas o verso de uma letra de música. O autor, Caetano Veloso, namorava (e casou-se) com uma jornalista de O Sol, um caderno-escola de cultura e comportamento jovem, encartado em um jornal de esportes, no Rio de Janeiro, em 1967. O Sol teve circulação por apenas seis meses e era diário. Muita gente formou-se profissional e pessoa naquele folhetim.
Fu Lana foi ao cinema e viu Caetano negar a ligação do verso com o fato. "Mas se vocês quiserem que seja, que seja?", dizia ele, achando graça. O filme é "O Sol, caminhando contra o vento", de Tetê Moraes e Martha Alencar. Finalmente, uma diagramadora famosa, pensou Fu Lana, ao saber que Tetê, hoje cineasta, cumpria a função naquele jornal desenhado em quadrantes. Grande sacada de Reynaldo Jardim, o criador de O Sol: o jornal era diagramado para que as matérias terminassem em um dos quadrantes da página, para ele ser lido dobrado, em ônibus apertados. O formato final, todo aberto, era standart, mas ele era consumido quase que em vários tabletes. Um jornal-chocolate. A pessoa ia dobrando e se deliciando, redobrando e lambendo os dedos de novo. Os gaúchos poderão checar o documentário de longa metragem nos cinemas a partir do dia 11 de agosto. E a obra é uma gostosura.
Mistura de travessura, com gostoso e ternura. Torturadores, simpatizantes da ditadura, ex-TFPs e até hoje atuantes de direita devem pensar: que diabos estes malucos estão fazendo, se apoderando da história que nós escrevemos, e ainda por cima fazendo graça e pirraça? Afinal, a repressão escreveu a história e estes felizes e bem-humorados, outrora perseguidos, a recontam irreverentes, deixando ao ridículo aquelas mal-traçadas linhas. Ser feliz é realmente a maior vingança. E o documentário é genial.
Trata-se de uma festa-filmagem. Melhor do que não ter dinheiro para gravar em várias cidades é ter um orçamento reduzido e convidar os personagens para um encontro festivo, emocionante e, supra-sumo da rebeldia, alegre. Ver Chico Buarque dizer que à época não estava nem aí para a política, mas que por gostar de beber ficara responsável por reunir as garrafas para os molotovs é hilariante.
Ele lotou a garagem do pai de munição.
A própria Tetê estava presente na pré-estréia gaúcha no Santander. E contou que a inspiração do jornal O Sol vinha do astro-rei Reynaldo Jardim, considerado pelos colegas o inventor, o poeta, o eterno criativo. É dele também a centelha que criou a revista Senhor. Tetê diz que Reynaldo já realizou reformas gráficas na maioria dos melhores jornais diários brasileiros. Segundo ele, antes de serem diagramadores ou jornalistas, cada técnico deveria ser um poeta. Nos fins de semana, ele, por exemplo, se esconde e torna-se um personagem de ficção. Não entrega suas mandingas e segredos.
Certa vez, estavam, ele e Ziraldo, dando uma entrevista quando alguém perguntou: quem criou o logotipo de O Sol? Ziraldo saltou: fui eu. Reynaldo, humildemente, retrucou. "Êpa, este logo quem desenhou, na verdade, fui eu". Ziraldo então se safou: "Ah, foi? Mas é um logo que eu gostaria muito de ter desenhado". Essas e outras tiradas de Tetê não estão no filme, mas vale muito rever ou conhecer a história brasileira, recontada por seres indestrutíveis, perenes e resistentes, de carne e osso. Por dentro e por fora. Não perca.