Quatis, quatis, quatis

eávamos a pé no Parque da Ferradura. De repente, quatro, quatorze, quinze, quarenta quatis! Ou seriam quatrocentos, quinhentos? Na quentura do quintal deles, nos …





















































eávamos a pé no Parque da Ferradura. De repente, quatro, quatorze, quinze, quarenta quatis! Ou seriam quatrocentos, quinhentos? Na quentura do quintal deles, nos quedamos: um quorum de quadrúpedes como nunca se viu, a desfilar ao lado do desfiladeiro. Quatis, quatis, quatis. Esquecemos o quotidiano, os quero-queros, a querência, as querelas, os quasars. Estáticos, quase como qüeras no quaradouro outonal, só víamos quatis, quatis, quatis, no quadro-a-quadro da surpresa. Que bom que os quatis se quantificam assim, com quadrigêmeos ou quíntuplos, da quaresma ao quarup. Quatis, quatis, quatis. Deve haver quatrilhões ou quintilhões de quatis do Quênia ao Quirquistão, de Quito a Québec, de Quaraí a Quexeramobim, quatis em quantidade por qualquer quadrante. Naquele quarteirão natural, os quatis querem quitutes, vão aos quiosques dos piqueniques, quitandas de toalhas quadriculadas: quiçá quilos de queijos, quibes, quiches, quindins, quiabos, quibebe? Quatis, quatis, quatis. Quem sabe sejam eles, nas quebradas por quilômetros de quietude, um quartel animal armado de afiada queratina nas patas, um quilombo sem quizilas onde a quizumba é com caudas listradas pro alto, quartetos de quadris e quintetos de focinhos, apesar do quadrimotor no ar. Quatis, quatis, quatis. Enquanto o qüinquagésimo quati da quadrilha ava, quantas questões queimaram o querosene do meu quengo? Era o nosso quinhão de quimeras selvagens? A quintessência da tranqüilidade ecológica? Qual o quê. Esses quatis, quixotes de um habitat que já vai se quotizar, mereciam queridice de mais qualidade. Talvez alguns quintanares do Quintana.



O voyeurismo já foi muito mais excitante,
antes de todo mundo virar exibicionista.



O sexo pode levar casais à loucura,
sobretudo quando um dos dois não topa.



De todas as formas de comer uma pessoa,
a menos sensual é o canibalismo.



Quem pensa que todas as taras já foram classificadas
ainda não leu os classificados em orelhões.



Uma das piores doenças sexualmente
transmissíveis chama-se família.



Assédio sexual no trabalho é crime e é mais
grave conforme a hierarquia. Mas, com roupa,
chefes podem montar à vontade nos subordinados.



Freud demorou a teorizar sobre a libido,
embora a libidinagem já fosse há muito praticada.



O incesto nada mais é que a fraternidade levada
às últimas conseqüências.



Etc.











? por onde quer que se comece ou se acabe o livro Satolep, do Vitor Ramil, é uma proeza autoral singular - de brilho conceptivo, de envergadura literária, de clima, de narrativa à la Jorge Luis Borges, de marcheteria de texto, de projeto gráfico. A única dificuldade que encontrei foi me obrigar a retardar a leitura para prolongar a vertigem palindromática para além das 288 páginas. Labirinto de memórias no vórtice de uma espiral temporal, ou uma permutação sem fim desses elementos? Como não surgem escritores da noite pro dia - o que aparece muito entre o lusco-fusco e a aurora são maus textos - fica fácil saudar o Vitor Ramil: está aí um autor que merece reconhecimento nacional, se é que não estou chovendo no alagado e meu aplauso chega atrasado. Pela maturidade ficcional de Satolep, meu clap, clap, clap! Pelo meu infindável prazer, gracias!




Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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