Quase despedida

Meu computador enlouqueceu. Diariamente, ele abre no ano de 2002, mês de janeiro. Arrumo calendário, reho, tudo. Basta desligar e, lá vai ele de …

Meu computador enlouqueceu. Diariamente, ele abre no ano de 2002, mês de janeiro. Arrumo calendário, reho, tudo. Basta desligar e, lá vai ele de novo, para o mesmo mês, o mesmo ano, seis anos atrás.


Eu sei que deve ser algum problema do windows, que tem de reinstalar, que pode ter sido um vírus, etc, etc, etc.


Mas, mesmo já bem distante de uma das minhas várias e diferenciadas fases mais "místicas", me bateu a curiosidade sobre uma possível, quem sabe, vai que exista, razão "quântica" (???) para esta máquina estar andando para trás.


E lá fui eu pesquisar 2002. Cujo fato mais expressivo para minha vida não está em janeiro e sim em outubro, quando lancei Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos.  Páginas de muita provocação reunidas ao longo daquele ano em que eu editava o caderno de variedades do jornal O Sul.


Na seqüência dos lançamentos (claro, teve o segundo, na Feira do Livro, num sábado, dia destinado a humilhar os escritores não-globais ou paulo coelhais), houve aquela fatídica entrevista que dei a Jô Soares, numa segunda-feira, espremida, no programa, entre um jurista octogenário e um travesti que era tão mulher, mas tão mulher, que, no camarim, enquanto cabeleireiro e maquiador cuidavam da minha "imagem", custei a me dar conta que aquela coisa afetada era um homem-artista. Ou vive-versa.


Mas, com certeza, não é para me lembrar de todo o inferno que foi gravar com o Jô, aquele sujeito grosseiro e abusado que meu computador está voltando para 2002.


Janeiro. Eu estava, sem saber, a um ano de dar um tempo no único caminho do jornalismo que conhecia - o diário, cultural, para me aventurar pela tal assessoria de imprensa. E mais: em governo. Vacina das boas, para não pegar o bichinho de novo.


De todo modo, não estou mais muito a fim de ficar procurando fatos & fotos daquele ano de duplo dois para tentar decifrar o mistério deste monte de circuitos de onde digito agora estas mal-traçadas.


Fico, apenas, com o fundo da história, que envolve, em especial, mudança. Eu vinha de uma grande, em que deixara a "segurança" dos trocentos anos de idas e vindas da então Caldas Jr. para experimentar o que seria lançar um jornal - e acho que já falei nisso, aqui mesmo, faz tempo. Do Correinho para o ainda sem nome O Sul. Boa experiência.


Acho que é disso que se vive, com "sustança" de vida, como diria minha avó Vicina. De experimentar - seja mudar de foco, seja dar uma guinada na rotina segura de uma profissão, seja encarar um trabalho de "apenas" três meses, aparentemente facinho, com equipe pequena, "sistemática da solucionática" conhecida (ora, editar, coisa simples, para jornalista com mais de 30 anos de experiência!) e que se revelaria mais um desafio desses grandões e terminaria me envolvendo muito mais do que um longo contrato com uma grande empresa com centenas de funcionários.


Estou terminando este pequeno-grande período aqui no Coletiva.net em que vivenciei o dia-a-dia de produzir notícias para o meu segmento, o da Comunicação Social. Acham que é fácil? Né não! Requer sensibilidade, cuidado, atenção. Nem sempre se consegue.


Nada mais desafiante que se dirigir a seus pares, porque a crítica vem antes do produto estar na rua. Vem de dentro da gente.


Espero ter cumprido a contento meu trabalho. Porque esta revista virtual é, realmente, um veículo especial, muito, mas muito acima da média do que se faz por aí. Além de ter sido pioneira.


Foi uma honra ter feito parte da equipe da "cozinha" do Coletiva. E, como dizem os políticos, em seus discursos, mas com a sinceridade que eles nem sempre têm, me despeço desta tarefa dizendo: "E, em abraçando o José Antonio Vieira da Cunha, abraço toda a equipe do Coletiva.net". 

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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