Quase delicadamente
Estou aqui, escarafunchando os fundilhos da memória para ver se arranco alguma lembrança extraordinariamente marcante de algum ano novo nestes meus quase 60 anos …
Estou aqui, escarafunchando os fundilhos da memória para ver se arranco alguma lembrança extraordinariamente marcante de algum ano novo nestes meus quase 60 anos de vida. Não consigo. Nem uma grande virada. Tampouco qualquer fatalidade para me fazer ter arrepios diante da data. Uma linha de tempo contínua, a deste tema. Nem sei se isso é bom ou ruim.
Hoje, enquanto levava Occhi e Dodô para sua caminhada matinal, vi que o movimento de carros estava menor, que a loja de objetos de decoração da esquina estava fechada e que o salão de beleza estava vazio. Pensei: "entramos na modalidade espera para 2012". E acho que é isso que sempre foi e é, para mim, a troca do calendário.
Entre o Natal que se jura cristão e esta festa assumidamente pagã, fica, para mim, um corredor de tempo e de expectativas em que tudo parece estar suspenso, mesmo que andando na sua dita normalidade. Já trabalhei muitos Natais e muitos Anos Novos mas a sensação foi sempre a mesma: os dias que se sucedem entre as datas é quase um hiato que a gente vai preenchendo com fatos que teimam em brotar sobre o que se acumulou e as coisas que achamos que vão acontecer no que está por vir.
Houve época, sim, em que desejei muito ter um Ano Novo de revista Cruzeiro anos 60: toda de branco, coque banana com franjinha, salto alto, chique, taça flute borbulhante na mão, sorriso imenso, cheirosa e cheia de esperanças! Com lentilhas dentro da carteira, calcinha nova na cor do Santo do ano entrante, olhos faiscantes de tanta felicidade, pronta para a vida nova! Mas isso já tem muito tempo e o cheiro do papel e da tinta da revista Cruzeiro só existem na minha mania de lembrar ! Acostumei aos atropelos da cozinha que mal domino, a esperar a "grande chegada " vendo a festa pela televisão, a brindar meio que na obrigação porque, de repente, nada era o que as imagens mentais que eu teimava em alimentar me prometiam.
Engraçado. Em minha casa paterna, o Ano Novo parecia ter mais importância do que o Natal, data em que jamais erguemos um pinheiro ou montamos um presépio - isso só fui fazer depois de ter meus rebentos. Minha mãe se esmerava para fazer lentilhas gostosas e nunca nos faltou um espumante para o tim tim em taças de cristal, daquelas de boca larga. Duas, que sobraram, ainda guardo, como relíquia. Também muitas vezes celebramos em grandes grupos, porque a família é imensa e gostava muito de se reunir, e cantávamos, claro "Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize?"
Com o que, nada tenho a reclamar das tais festividades, sem ostentação, claro, mas igualmente sem miséria, graças aos deuses. Atualmente, fica difícil reunir todo mundo, inclusive os filhos que, exercendo seu direito, optam por viajar ou se juntar aos familiares de suas respectivas metades da maçã. Eu, mais uma vez, vou para perto de meus velhos, curtir suas presenças enquanto ainda há tempo. Isso é, na real, a felicidade sem exageros, sem ruídos excessivos, sem excepcionalidedes: romper um novo ano, esta abstração que tentamos tornar real, com os nossos pilares. Venha, então, 2012. E outros mais. "Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender".