Quando os pais desistem, o traficante adota
Quem diz “No meu tempo é que era…”, com justa razão, imediatamente recebe de volta uma carimbada: velho. Mas, quem são os velhos? Homens …
Quem diz "No meu tempo é que era?", com justa razão, imediatamente recebe de volta uma carimbada: velho. Mas, quem são os velhos? Homens e mulheres que não morreram, pois não. A medicina, combinada com a tecnologia, empurrou o "dead line" mais para frente. Tecnicamente deveriam estar mortos, mas estão aí, vivos, com as suas memórias regressivas e suas percepções. No tempo "deles" claro que era tudo muito melhor, eram jovens, e como todo jovem, também foram iconoclastas, contra tudo e contra todos, e não se pode negar que foram precursores ou coadjuvantes de grandes revoluções culturais e comportamentais.
Não estou seguro de que a "pior idade" seja simplesmente uma questão de exaustão da matéria. Percebe-se muitos idosos em boa forma física. No entanto, os acompanha um outro tipo de inconformismo: sentem-se deslocados num mundo cujas transformações exaltaram e consolidaram a cultura da obsolescência, do mercado selvagem. Quando tudo é descartável, em especial as relações humanas, o que sobra para a música, a arte, a literatura, o cinema e tudo aquilo que supostamente "fala" com os sentidos? O próprio ambiente acadêmico, em grande medida, sofreu profundas transformações com a entrada do marketing nas escolas e nas universidades. O aluno ou a ser visto meramente como "cliente", a instituição deixou para trás a busca da excelência e da pesquisa para se dedicar à gestão metódica do lucro, como faz o mercadinho da esquina.
Viva o lucro, sem o qual nada prospera, e morra a ganância, com a qual se cria e se produz cultura picareta, arte improvisada, livros de auto-ajuda e filmes para serem vistos e esquecidos tão logo as luzes se ascendam.
Quem tem alma, olhos de enxergar através do verniz, e ouvidos de ouvir algo mais exigente, sabe que a indústria do entretenimento se retroalimenta e engorda ao reproduzir na TV e no rádio imagens e sons produzidos pela boçalidade, pelos espertalhões, cujo alvo é a massa iletrada e tosca, ou crianças. Neste show business nada permanece, além da grana. Nada comove e tudo se transforma em tecnologia ainda mais avançada, para se fazer novos espetáculos ainda mais pasteurizantes, mais estéreis, mais infecundos e arrebatadores, como o antiorgasmo do sexo comprado. Difícil falar no último "hit" que ouvi no rádio, no verão ado, sem empregar linguagem chula da mais ordinária procedência. O Hip Hop cantado por um baiano cretino (havia um grupo de garotas adolescentes cantando e dançando o refrão da musica) sugeria que as meninas deviam praticar sexo oral com o? (me recuso a dizer o que o cantor estava oferecendo), com a promessa de que era "gostosinho". Mas isto cantado com absoluta explicitude, e repetido como se fosse um mantra abominável e asqueroso.
Seja como for, a História ensina que sempre houve um período trevoso, antes de uma nova era iluminada. Não sei o que vem por aí, mas, por enquanto, para uma Suzan Boyle, surgem toneladas de "trash for cash" (lixo por dinheiro).
De algum modo essas especulações explicam (mas não justificam) a explosão das drogas, em especial do escravizante crack, a bomba suja e avassaladora. Na ausência dos sonhos, das ilusões, a busca de qualquer emoção vagabunda e artificial serve para estremecer o nada, o vazio.
Do que estou falando? Das crianças encardidas de miséria e a Deus dará? Em parte, sim. Mas, mesmo estas sonham com uma vida mais decente. Estou falando das quem têm tanto conforto, que o conforto nada significa ao lado de pais à deriva, com saudades de algo inespecífico, hipnotizados em frente a um telão Full HD. E quando os pais desistem, o traficante adota, simples assim.