Quando o carnaval chegar (*)
Por Márcia Martins

No dia 19 de janeiro, data em que escrevi a coluna sobre os 40 anos da morte da Elis Regina, resolvi que precisava sair um pouco de circulação, abandonar alguns velhos costumes, dispensar horários e compromissos e me permitir ficar à toa na vida, olhando pela janela do apartamento para ver se a banda ava cantando coisas de amor. Munida destes objetivos, pedi uns dias de férias de tudo, inclusive do meu acerto semanal com o site da Coletiva. Ainda não me sinto pronta para retomar a rotina, mas devagar, porque já tive pressa, volto a tecer alguns comentários para aqueles e aquelas que me acompanham.
Só que em ritmo de preparação espiritual para o carnaval no final do mês, que será um tempo de descanso, meditação, observação, leituras, pernas para o alto e cuidados que a Covid-19 continua à espreita, adotei a música do inigualável Chico Buarque de Hollanda, lançada em 1972, e "estou me guardando para quando o carnaval chegar".
Isso significa que eu estou sim vendo, sabendo, sentindo, escutando, mas não quero falar de nada sério e que traga mais tristezas e angústias ao povo deste Brasil tão desgovernado. Então, já aviso. Se você me vê assim parada e distante, não pense que eu não sei sambar. Se você me vê apanhando da vida, não pense que não sei revidar. E se você me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar. Que nada. Espere mais um pouco. Vou me guardar para quando o carnaval chegar.
Até lá não vou comentar o enorme retrocesso que este País sofre com a total ausência de políticas públicas. Nem lamentar o crescente número de violência contra as mulheres e os casos de feminicídios em ascensão. Nem revelar mais decepções com a forma negacionista como os governos, nas três esferas, tratam o Coronavírus, a volta às aulas, a falta de fiscalização com os cuidados para reduzir a propagação da doença. Não quero tratar do assassinato do congolês Moïse Kabagambe (24 anos) e menos ainda na demora em prender todos os responsáveis pelo crime. Falar então nos irresponsáveis que defendem o nazismo está fora de cogitação.
Sei lá. Não quero sair fantasiada no carnaval da Rainha do Pessimismo. Não tenho e nem quero roupa adequada para desfilar na arela do preconceito e da discriminação. Não vou desperdiçar confetes e serpentinas em pessoas que pregam o desrespeito, a falta de empatia, a ausência de humanidade. Cada vez me convenço mais de que o Brasil não tem mais jeito mesmo.
Quem sabe, um dia, talvez depois de muitos carnavais, eu possa de novo soltar alguma alegria adiada, abafada. Quem dera gritar e cantar ao ver a barra do dia surgindo.
(*) Em homenagem ao Chico Buarque que pode sempre que quiser cantar qualquer música. Com açúcar e afeto.