Pula a fogueira

Pula a fogueira… Cuidado para não se queimar… Olha que a fogueira já queimou o meu amor… Será que algumas cinzas ao vento conseguiram …

Pula a fogueira? Cuidado para não se queimar? Olha que a fogueira já queimou o meu amor? Será que algumas cinzas ao vento conseguiram apagar o nosso afeto?


A julgar pelas inúmeras manifestações juninas que pipocavam pela cidade ensolarada no sábado homenageando o São João, dono do dia, ainda será preciso muito fogo e lenha para destruir nossa ternura. Nem mesmo os jogos da Copa do Mundo esvaziaram as festas juninas que cresciam mais do que bolos de fubá, enfeitavam mais que os balões subindo aos céus e esquentavam mais do que um copo de quentão. Tudo caramelado com afeto e ternura.


Che Guevara já sentenciou que é possível sim endurecer, sem perder a ternura. E quem sou eu para contestar. Vamos combinar que com "açúcar e com afeto" tudo fica mais digestivo, ok? O meu momento doçura, por assim dizer, começou cedinho no dia 24, ao despertar a minha filha Gabriela que iria disputar uma etapa (não sei qual) da taça do colégio. Impressionante como ela age com rapidez para pular da cama e se arrumar quando tem algum compromisso. Nada comparado aos movimentos preguiçosos que lhe habitam quando me mostra a carteira de sócia do clube "eu odeio acordar cedo".


Na arquibancada torcendo pela filha (que mico, as mães modernas já não fazem mais isso) percebi, novamente eu aqui leitor falando de Gabriela, que ela está enorme. Menos? Menos? Menos. Mas não há como negar. Ela espichou. Parece que ontem cabia enroladinha no meu colo e eu fazia carícias e caminhava com ela pela casa para que dormisse. Até os quatro/cinco anos, ela sempre adormecia no meu colo. Hoje, eu adormeço enquanto ela fala ao telefone com as amigas convidando para a festa, para o cinema no shopping, para ver o jogo todas na casa de uma delas. E me enrosco no seu colo algumas noites pedindo cafuné.


À tarde, um chá de fralda junino endossou as minhas desconfianças de que a minha doce Gabriela já não é mais a minha pequena, que pena, mas eu não vou chorar? Eu vou é cantar? Pois a vida está começando para ela? Os meus colegas de redação, habituados ou cansados de me ouvir contar as peripécias da minha filha e minha preocupação com seus horários, ficaram surpresos ao encontrarem uma moça. Desinibida e linda (isso é papo de mãe), ela nem se importou de ficar ouvindo conversa e conversa de jornalista e curtiu muito a festa junina que arrecadou fraldas para a Isadora, que deve chegar em agosto.


Num desses momentos de "opa, mas como ela está grande", eu lembrei com muita ternura do meu irmão Dedé/Luli, que era padrinho da Gabriela, e hoje como seu anjinho da guarda deve estar super orgulhoso de acompanhar (esteja onde estiver) o desenvolvimento da pequena. E a memória dele sempre vem acompanhada de muito carinho, conforto, amizade, companheirismo, como se ele estivesse ao meu lado ainda. Talvez a lembrança seja também porque os jogos da Seleção Brasileira sempre eram um motivo extra para que ele providenciasse uns petiscos juninos e chamasse a família para torcer pelo Brasil na casa da mãe.


Pois é só lembrar em ternura e afeto que uma coisa vai puxando a outra. Parece um ímã. O Grupo de Mídia instituiu um prêmio que leva o nome do meu irmão, que era um profissional da área. Para minha satisfação e de minha família, a premiada da edição de 2006 é uma mídia que foi colega dele na Paim e hoje está na Competence. Mais do que colega e companheira do Dedé/Luli, a Carla foi uma super amiga nas barras mais difíceis que amos. Voltando aos festejos de São João e aos demais de junho (Santo Antônio e São Pedro), que são alimentados pela ternura das prendas, rostos pintados das crianças, tranças nos cabelos das meninas e muita música, concluo que nem tudo é queimado na fogueira da nossa lembrança. Para quem ainda consegue guardar fagulhas de ingenuidade, nem que seja no espelho dos nossos filhos ou dos filhos preparados nas barrigas pontudas.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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