Previsões previsíveis

O ano que começa vai acabar. Durante todo ele, um monte de coisas acontecerá, outras tantas talvez sucedam ou não, enquanto muitas outras com …


















O ano que começa vai acabar. Durante todo ele, um monte de coisas acontecerá, outras tantas talvez sucedam ou não, enquanto muitas outras com certeza deixarão de ocorrer. Vai morrer gente que nunca morreu e, pra compensar, vai nascer gente que jamais nasceu. Haverá felicidades e tragédias, mas não ao mesmo tempo e no mesmo local. Nem todos os aviões terão o mesmo número de decolagens e aterrisagens. Nem todas as represas represarão. Uns perderão o juízo, principalmente os juízes. A loucura enlouquecerá uns quantos, ao contrário do sossego, que sossegará bastante. A pobreza vai ser altruísta, empobrecendo à maioria; a riqueza será egoísta, com a mesma minoria. Surgirão fatos nunca imaginados e suas versões imagináveis. Da política se poderá esperar tudo, do mesmo modo que dos políticos não se esperará nada. A gentileza apanhará da grosseria na via pública. Semanas e meses arão, enquanto várias formas suaves de desespero permanecerão. Poderá haver leite e mel caindo do céu, depende só de furacões erguendo apiários e tambos. A violência ficará contida às 24 horas do dia. Boas e más notícias serão dadas por mau e bom jornalismo, respectivamente. Os ciclos da natureza andarão de monociclo. Milagres na economia não estão descartados, todos ocultos em mangas. Doenças incuráveis e curas improváveis duelarão por mais corpos. O amor ficará aos amáveis e aos amantes. Mazelas sociais receberão mais atenção do governo para que não se desmazelem. Estou sendo otimista, crianças.
Mandamentos do Aquecimento

I.
Amar a brisa sobre todas as coisas.


II.
Não tomar suadouro em vão.


III.
Guardar os dias de sombra e água fresca.


IV.
Abanar pai e mãe.


V.
Não matar de calor.


VI.
Não pecar contra a umidade.


VII.
Não cometer adultério em locais sem refrigeração.


VIII.
Não furtar leques e ventiladores.


IX.
Não levantar nada que faça transpirar.


X.
Não cobiçar o ar condicionado do próximo.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

Comments