Preguiça, valsa e samba de breque

Al Barón de Itararéun grande entre los grandes,con respeto le saluda de pieel poeta de los Andes:Neruda.   (Pablo Neruda, 1945) Em meio às crônicas …

Al Barón de Itararé
un grande entre los grandes,
con respeto le saluda de pie
el poeta de los Andes:
Neruda.   (Pablo Neruda, 1945)


Em meio às crônicas sobre viagens, lembrei-me de alguns retalhos que quebram hoje o galho da minha preguiça.


Como a pressão arterial não está baixa, acho que a preguiça foi decorrente de haver pensado em Manaus, onde estive só uma vez, vez que gerou a certeza de que foi a primeira e única. Pessoas que conhecem essa decisão tomada há 29 anos, já argumentaram que Manaus mudou muito. Todas receberam a mesma resposta:


- Mas eu não.


Certeza puxa certeza e decidi que esta crônica - desculpem, leitores - vai na valsa, ou melhor, estou dançando conforme a música.


Certeza levou-me a outra, aqui mesmo no Rio. Um vacilo de caráter permitiu que minha antiga companheira me levasse, num domingo, para almoçar em restaurante macrobiótico, coisa que sofria, então, de modismo mórbido.


Terminada a imolação gastronômica, creio que com certo sadismo, perguntou-me o que eu achara.


- Esse favor vou te dever a vida inteira, pois por essa penitência não o mais.


Como essa certeza permanece inalterável há quase 40 anos, é fácil saber que meus vacilos de caráter são raríssimos.


No universo da macrobiótica sou testemunha de um caso factualmente mórbido.


Conheci em Porto Alegre a irmã - cujo nome entrou para o meu acervo de amnésia etária - e, depois, em 1965, no Rio, ou melhor, em Ipanema, o Barão de Itararé, em pessoa. Aparício Torelly circulava pelos mesmos pontos e grupos que eu e tínhamos muitos amigos comuns.


Nessa época, o gaúcho da cidade de Rio Grande vivia saudável, apesar do apego à bebida. Tempos depois, pessoas de boa-fé convenceram o "barão" a entrar para o cordão dos macrobióticos e, aos 76 anos, como boa-fé não salva ninguém, não teve nem tempo para desistir, a morte foi mais ligeira.


Há pouco, em visita ao empresário Carlos Fernando Carvalho, levei um susto quando, em sua sala de trabalho, deparei-me com três retratos do "barão" assinados por Guignard, Pancetti e Portinari. Expressiva homenagem às artes e à inteligência, na escolha de retratistas tão talentosos quanto o  retratado.


Agora, o breque do samba: quem quiser informar-se e divertir-se com Apparício Torelly, autobatizado como Barão de Itararé, basta abrir um site de busca e regalar-se com o humor de quem, antes do golpe de 1937, profetizou: Há mais coisas no ar do que os aviões de carreira.


Numa viagem a São Luís, na implantação do telecurso da Fundação Roberto Marinho, trabalhamos na sexta-feira e o próximo compromisso seria na segunda-feira, uma entrevista com o governador e secretário de Educação do Piauí.


Aceitei o convite de um amigo para ir de lá, São Luís, para Teresina, de carro, com pouso em São Mateus, Maranhão, onde meu anfitrião tinha uma fazenda.


Como não é todo dia que se tem a oportunidade de atravessar um trecho da Amazônia, lá fomos.


Na noite daquele sábado, dando um giro pela pequena cidade, entramos num botequim para tomar uma cerveja e um aparelho de TV transmitia o Jornal Nacional.


Percebi que os intervalos comerciais, nos blocos locais, eram imensos, totalmente fora dos padrões da TV Globo. Deduzi que a emissora afiliada recebia o telejornal por satélite, ia copiando, inseria seu pacote extra de comerciais e dava continuidade pela cópia. Maracutaia grave, em detrimento dos telespectadores e dos anunciantes.


Minha agem por São Mateus foi um dia infeliz para aquele  afiliado da Rede Globo no Maranhão que, em menos de dois meses, perdia a concessão para um concorrente.


Manhã de domingo, em meio à selva, fui convidado a nadar num braço de rio que atravessava a fazenda. O anfitrião disse-me que havia piranhas, mas de uma espécie inofensiva. Tudo bem, mas disfarcei e só entrei n"água quando vi os filhos dele nadando. Afinal, eu já havia escapado de uma refeição macrobiótica e não queria outros riscos.


A farra foi grande, com direito a brincar de Tarzan naqueles cipós transformados em transporte pelas cabeças criativas de Hollywood.


À tarde, fomos para Teresina e, logo na chegada, ganhamos o sofrimento daquela sauna a vapor a céu aberto, típica também de Manaus e do verão de Porto Alegre.  No hotel, calção de banho, mergulho e a surpresa:


- Vocês aquecem a água da piscina?


- Não carece. O sol se encarrega.


Inté.


PS. Avisei da preguiça logo no início para evitar que o leitor descobrisse por si mesmo.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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