Avião nosso que estais no céu
rumando para algum aeroporto brasileiro congestionado
com pistas em péssimas condições mas ótimas butiques
tentando decifrar certas orientações desencontradas
de controladores de vôo mal-pagos e à beira do chilique
acreditado seja o vosso nome
lindo na fuselagem, pra vender a imagem da companhia
cantado e visualizado ao sol em comerciais de marketing
que inspire confiança tanto sob holofotes quanto de dia
e chame mais atenção pelo design que pelo overbooking
vem a nós no nosso reino
perdendo altura gradativamente, com os planos em acordo
em aproximação tranqüila qualquer que seja a meteorologia
na direção correta, sem falhas nos instrumentos de bordo
e os flaps, freios e reversores aprovados pela engenharia
seja feita a vossa vontade
e a do experiente comandante e a de seus comissários
que é cumprir a sua perigosa tarefa muito diligentemente
evitando falhas humanas e superando as do maquinário
sem tanto risco em decolagens e aterrissagens atualmente
assim na terra como no céu
que as turbinas não deixem apreensivos os ageiros
que a aeronave se agüente firme em meio às turbulências
que as rotas sejam respeitadas e que não haja nevoeiros
que suas asas planem longe das nuvens da incompetência
O lanche nosso de cada dia nos dai hoje
bem levinho, só para enganar a fome durante a viagem
um iogurte, talvez um chazinho, nada que dê pesadelo
enquanto você balança e seu zumbido provoca vertigem
e o cinto do assento parece apertar e criar suor de gelo
perdoai-nos as nossas ofensas
já nos balcões, em impropérios por tamanhas esperas
pelos desabafos de multidões exauridas nos saguões
pela desconfiança naturalmente ampliada viramos feras
e aos gritos exigirmos o direito de voar em seguros aviões
assim como nós perdoamos
o sorriso temeroso e cansado da aeromoça no corredor
a desinformação e apagões nessa confusão interminável
os extravios de bagagens e cada decorrente dissabor
se em troca chegarmos ao destino pontuais e saudáveis
a quem nos tem ofendido
lá em Brasília com suas omissões e todas incapacidades
com a sua inércia diante da negligência e da ganância
das companhias de aviação e dos donos das cidades
que voem muito e alto e sintam na carne essa desgraça
não nos deixei cair em tentação
de andar só de ônibus e automóveis por nossas estradas
que a tragédia nas rodovias ainda é maior que a aérea
nem de confiar que as obras prioritárias serão realizadas
ou de crer que a próxima autoridade da Infraero será séria
mas livrai-nos do mal
de saber de centenas de vidas para a morte embarcadas
do medo que começa a cada chuva que surge no horizonte
da insegurança que se irradia da partida até à chegada
do horror de voar mais precariamente que Santos Dumont!