Povo fora

Trabalhei diariamente em rádio-jornalismo durante, mais ou menos, 15 anos felizes e produtivos, pela convivência e pelos ensinamentos que profissionais extraordinários me proporcionaram. Com …

Trabalhei diariamente em rádio-jornalismo durante, mais ou menos, 15 anos felizes e produtivos, pela convivência e pelos ensinamentos que profissionais extraordinários me proporcionaram. Com certeza foi no rádio que conheci a maioria dos raros jornalistas brasileiros realmente brilhantes.


Essa experiência me rendeu sonhos recorrentes. Inúmeras vezes, durante alguns anos, sonhei, por exemplo, que trabalhava na redação da Rádio Tupanci, em Pelotas; na redação da Gaúcha, em Porto Alegre ; ou que transmitia boletins de Brasília para a Guaíba. Lá estava eu de volta a cada ambiente, a situações e circunstâncias antigas ou novas e, claro, entre meus amigos e colegas.


Sonhos como esses me acompanharam até que voltasse do jornalismo impresso ao rádio-jornalismo, em 2001, para exercer a gerência regional da CBN em Brasília. Então me abandonaram - e acho que para sempre.


A desistência - dos sonhos ou minha - coincidiu com a consolidação de uma nova era no rádio-jornalismo. Trata-se de um tempo marcado, de um lado, pela multiplicação dos espaços radiofônicos dedicados ao jornalismo; e marcado também, de outro lado, pela ausência de povo. Jamais o jornalismo ocupou tanto espaço no rádio quanto ocupa agora; e jamais desprezou tanto a participação popular - a voz, a informação e a opinião dos cidadãos e das cidadãs comuns.


Apresentadores falam, repórteres falam, comentaristas falam, autoridades falam, empresários falam, "especialistas" falam? Só povo não fala no rádio-jornalismo. No máximo, ite-se participação popular pela internet, submetida a veiculação de informações e/ou opiniões ao critério dos apresentadores de programas.


A grande, lamentável e quase inacreditável verdade é que o rádio foi transformado no mais elitista, burocrático e preguiçoso de todos os meios de comunicação em que se pratica jornalismo. Enquanto a internet, a televisão e os jornais se esforçaram e continuam se esforçando em busca de aproximação com o público, oferecendo-lhe crescentes oportunidades de manifestação e conteúdo interessante, o rádio-jornalismo enveredou pelo caminho contrário. Acomodou-se diante das páginas dos jornais e da tela do computador, elitizou e burocratizou sua pauta e suas fontes, como se tentasse impor ao público o universo e a versão dos "sábios" disponíveis no estúdio e no telefone. Não é por acaso que a maioria do público o despreza.


Por ignorância ou má-fé, ideólogos e guardiões desse modelo de rádio-jornalismo costumam alegar que o desprezo da maioria do público resulta de desinteresse natural e/ou cultural por notícias. Não é uma alegação séria. O jornalismo de rádio só não conquista mais público porque se tornou incompetente para isso e, em alguns casos, também porque se desinteressou por essa conquista, seduzido pelo filão comercial de atrair anunciantes voltados para as classes de alta renda.

Autor

O jornalista Robson Barenho está na profissão há 35 anos e, depois de ar pelas atividades de redação e de reportagem em rádio, TV e jornal, esteve em funções de chefia, gerência e direção de Jornalismo em Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, nos jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Correio Braziliense; na Rede Bandeirantes de Televisão e na Rede CBN. Atuou nas rádios Tupanci, Pelotense e Universidade, em Pelotas, e na Gaúcha. Foi para Brasília em 81 como correspondente da Guaíba e dos jornais da Caldas Junior. Ficou 27 anos entre Brasília, São Paulo e Rio,e  retornou a Porto Alegre no ano ado, onde atua na Pública Comunicação.

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