O mestre Vinícius de Moraes, no Poema Enjoadinho, não fala da mulher que a no doce balanço a caminho do mar, nem exalta os olhos da mulher amada e nem lhe promete que viverá um grande amor ou que será eterno enquanto dure. O poetinha apenas narra com uma simplicidade tão simples que chega a ser refinada e sofisticada as trapalhadas de um filho na vida de qualquer vivente. Vininha começa dizendo: "Filhos? filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?". Filhos significam perda de noites de sono, preocupação constante, dores de cabeça? Mas também momentos imensos de alegria.

No Dia das Mães, mais uma vez, a minha filha Gabriela endossou os versos do poeta, ao me surpreender com sua ternura e meiguice, fazendo com que eu apagasse da memória o compromisso cancelado, a aporrinhação, as fraldas sujas, o dedo apertado na janela, o choro manhoso. De repente, deletei as lembranças ruins. E salvei apenas os momentos bons. A primeira palavra dita. A vez em que foi oradora da turma na creche. O dente que caiu e a fada pegou embaixo do seu travesseiro deixando uma moedinha, conforme manda a lenda. E outras felicidades que compartilhamos nos seus 11 anos.

Imaginava que a pequena notável de 1.50 cm, em decorrência de sua total veia "consumista", não teria guardado nenhum centavinho para comprar um presente e me dar no Dia das Mães. Até mesmo aquela idéia do CD da série Perfil já tinha me abandonado porque nos últimos dias ela reclamava muito de gastos extras no colégio com cópias de trabalhos, rifas e não sei o que mais. Ao chegar na casa do meu irmão, no domingo pela manhã, local onde a família já estava reunida para curtir a data, Gabriela me recebeu com toneladas de carinho, quilos de abraços, centenas de beijos, cheiro morno de ternura.

Como diria o poetinha, "que coisa louca, que coisa linda, que os filhos são!". Gabriela não só havia poupado dinheiro da sua mesada para me dar um CD de um cantor que eu também amo de paixão assim não tanto como o Chico lindo Buarque, mas também tinha preparado uma surpresa. Um pequeno caderno da cor rosa, que ela adora, com um desenho de uma menina sapeca como ela ilustrando a capa, rabiscado com sua letra já com jeito de adolescente, trazia a proposta de escrevermos a partir daquele dia, o nosso cotidiano. E ela escreveu: "Mãe, a seguir, páginas em branco que, juntas, vamos completar?"

E, prosseguindo, a minha filha assegura que não saberia viver sem a minha companhia, dizendo que seria uma pessoa triste, chata, egoísta, rude, solitária, sem palavras. Caraca. Quase me derreti em lágrimas. Imagine você saber que desempenha um papel fundamental e tão importante na vida de alguém que ainda está em construção. Imagine você receber uma declaração assim tão verdadeira. Olha só o compromisso. Que medo. Mas quando se decide gerar um filho e se tem uma cabeça equilibrada (quanta modéstia) sabe-se exatamente que você será importante na construção da vida desse "serzinho".

Não sei qual foi o escritor que em alguma publicação profetizou que "só se conhece o verdadeiro amor depois que se gera um filho". Realmente, uma das coisas mais sábias. Ser mãe é doação. Ser mãe é entrega. Ser mãe é abraçar. Ser mãe é não ter sono. Ser mãe é estar sempre fazendo as mesmas perguntas: tomou o remédio, está agasalhada, já fez o tema, secou o cabelo? Ser mãe é estar sempre disposta a ouvir e aconselhar. Ser mãe é achar que o filho é sempre aquele bebezinho que está à espera da sua ajuda, do seu conselho, do seu acalanto. Ser mãe é surpreender-se todo o dia.

A semana começou fértil e eu pensava em escrever sobre São Paulo suja de sangue, ou a escalação da seleção, ou o final ridículo da greve de fome de um Garotinho, ou da pisada de bola da Revista Veja dessa semana acusando sem provas o presidente Lula. Nossa, tanto assunto. Quando cheguei na redação do jornal e reparei como cresceu o imenso barrigão da colega grávida de sete meses que carrega no seu ventre a Isadora, considerei que precisava falar da Gabriela. Afinal, eu já preparei uma pessoa para esse mundo.