Pinheiro e o Correio da Manhã
Um estudante de jornalismo me pergunta como eram os jornais de "antigamente", dos quais tem saudade mesmo sem nunca os ter lido. Conhece apenas …
Um estudante de jornalismo me pergunta como eram os jornais de "antigamente", dos quais tem saudade mesmo sem nunca os ter lido. Conhece apenas de ouvir nostalgias idealizadas de velhos dromedários, aos sábados de manhã, no bar da Associação Riograndense de Imprensa.
Para começo de conversa, dromedário era apelido de jornalista, ao tempo de D. João Charuto. Nem máquina de escrever havia nas redações, criava-se calombo nas costas, dobrando-se a coluna sobre a mesa para "mal-traçar" notas, tópicos e sueltos em "linguados", as compridas e estreitas tiras de papel. O jornal, quando independente, quando não fosse órgão de um partido político, tinha a cara do dono e não se preocupava com o que o público desejasse ler, como ocorre hoje, com os marqueteiros substituindo aquele onipotente e onisciente senhor.
Estudantes de jornalismo mais haveriam de aprender e também apreender sobre esses jornais "pessoais", a época em que circularam e as respectivas idiossincrasias e hipocrisias - continuam as mesmas - lendo "Recordações de Isaías Caminha", de Lima Barreto, que retrata, como revela Francisco de Assis Barbosa em "Aldebarã", o Correio da Manhã, fundado por Edmundo Bittencourt.
O que distinguia um jornal do outro, ao menos no início do século 20, eram as diferenças de caráter e cultura de seus proprietários. O Correio da Manhã é exemplar porque Edmundo Bittencourt, gaúcho de Santa Maria, foi o mais instruído e corajoso jornalista daquela época, afora ser um dos mais íntegros. Mesmo após a sua morte, sucedido pelo filho, Paulo Bittencourt, e este por sua viúva, Niomar Sodré, o jornal continuou impregnado do espírito guerreiro. Ao longo da sua história, marcou presença em episódios como a queda da República Velha, do Estado Novo e a deposição de Jango Goulart. Só naufragou ao enfrentar o regime militar.
Para entender o jornalismo daquela época- não só o jornalismo, a própria época - melhor é resgatar a vivência desses jornalistas com os políticos que enfrentaram. Há um episódio protagonizado por Edmundo e Pinheiro Machado que conta bastante a respeito.
Pinheiro, personalidade de ferro, não tardou a dominar a política nacional, tão logo chegou ao Rio de Janeiro, eleito senador pelo Rio Grande do Sul. A imprensa, de maneira geral, o bajulava, seja por convicção, seja por temor. Menos Edmundo Bittencourt. Ele o atacava com rudeza.
Em certo momento, Pinheiro achou de dar paradeiro às manifestações do patrício e mostrou-se ofendido com que publicara. Mandou dois padrinhos - Ramiro Barcellos e Hermes da Fonseca (que depois seria presidente da República por artes do próprio Pinheiro) - pensando intimidá-lo com o desafio para um duelo, pois todos o sabiam exímio atirador enquanto Edmundo jamais tinha empunhado uma arma.
Para surpresa sua, Edmundo aceitou o duelo e indicou os jornalistas Vicente Piragibe e Osmundo Pimentel como padrinhos. No dia marcado, ao alvorecer, estavam todos no local combinado. Quem municiou a pistola de Edmundo foi Piragibe. Postados os dois duelistas de costas, um para o outro, afastaram os dez os regulamentares e esperaram que Ramiro Barcellos batesse três vezes as palmas regulamentares, para se virar e disparar.
Quando Edmundo apertou o gatilho, ouviu-se apenas o estalido, mas a bala não disparou. O tiro de Pinheiro, entretanto, estranhamente perdeu-se muito acima da cabeça dele.
Edmundo percebeu a tramóia para lhe poupar a vida. Exigiu a repetição do duelo e apelou para a hombridade de Pinheiro, que lhe respondeu apenas: "Estou às suas ordens".
Na segunda vez, foi Hermes da Fonseca que bateu as palmas. Ao soar a terceira, Edmundo não teve tempo sequer de se virar. Pinheiro fora rápido e o feriu com um balaço nas nádegas, deixando-o sem condições de revidar. Ato contínuo foi até ele e lhe estendeu a mão:
"Patrício, estou satisfeito. O senhor se bateu como um gaúcho."
Edmundo retribuiu o cumprimento de mão, concordou com a cabeça que o duelo terminava ali, mas advertiu: continuaria no mesmo diapasão as críticas contra Pinheiro.