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" Com as perdas, só
há um jeito: perdê-las".
Era um tempo de inocência, quando nos afeiçoávamos aos brinquedos, um ursinho de pelúcia, um carrinho de corda, uma boneca de pano. Adotávamos as quinquilharias e com elas construíamos um nosso refúgio emocional, sem saber que logo serão perdidas, esquecidas em um canto qualquer. E mesmo depois, vivendo o tempo de adultos, ainda preservamos o baú de sumidos, onde entesouramos vozes, sons, cheiros e perfumes do ado.
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Recordo de um colega do ginásio que guardava no bolso um soldadinho de chumbo. Era o único que sobrara de sua coleção de granadeiros de Napoleão, perdida quando mudou de casa. Quando ava pela rua um caminhão de mudanças da Tom Mix, ele tinha sobressaltos, imaginando que vinham buscar seu último soldadinho. Eu também mantinha um baú de perdidos, com uma coleção de lembranças e recordações, mas que também deixei em algum lugar do caminho.
Eram os figos maduros da figueira da nossa casa em Porto Alegre, a caneca de leite morno das vacas da fazenda do avô, umas mil lâmpadas coloridas da torre da Igreja do Divino. E aquelas preciosas bolitas de gude Aquila, que ganhei de Natal e que foram perdidas jogando com os guris da esquina.
Agora, quando dou falta dos óculos ou das chaves, apelo ao santo das coisas perdidas. E me consolo, recordando meus poetas de predileção. Carlos Drummond de Andrade dizia
"Tuas coisas findas, se mais do que lindas, essas ficarão".
Sentado em um banco na Praça da Alfândega, Mário Quintana se perguntava onde estava a Porto Alegre do tempo das cadeiras nas calçadas e das mulheres que se debruçavam nas janelas da Cidade Baixa para falar mal dos vizinhos. E se confessava
"...Um adulto que perdeu todos os brinquedos da infância".
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O poeta pernambucano Manuel Bandeira ficava aflito quando perdia ou esquecia algo ou de alguém. Dizia que estava perdendo pedaços do ado, por não lembrar da voz da mãe que ficara no Recife, nem de onde deixara a caneta com a qual escrevera seu primeiro poema.
Então, o definitivo Carlos Drummond resume tudo e a todos, quando diz:
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"Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio (...),
Um pouco nos muros zangados,
Um pouco de tudo no pires de porcelana,
E que de tudo fica um pouco".