Peleias no frio

Em uma reunião de intelectuais e artistas, levanta o gaudério dos festivais e reivindica mais apoio para os municípios do estado gaúcho. "Estamos na …

Em uma reunião de intelectuais e artistas, levanta o gaudério dos festivais e reivindica mais apoio para os municípios do estado gaúcho. "Estamos na penúria", diz o gajo e se vira para a platéia: "Uns cem pilas para cada município fazer o seu festival tá pra lá de bom". Desta feita, um guri mais cabeça, do outro lado da sala, acostumado às pernas de pau e ao teatro de rua, pede a palavra: "Que absurdo, cem pilas pra um festival? Com essa verba boto mais de 40 crianças em atividades saudáveis, com alimentação e conhecimento".


O político anotava, preocupado, pensando em ampliar as pinguelas e fazer pontes. Chega a vez de uma artista plástica, da setorial do interior, e pede para haver consulta sobre o nome do secretário de Cultura, caso a eleição se confirme, no que é apoiada por uma salva de palmas. A inscrição agora é do Mano Tal. Numa voz de estremecer o salão lotado, depois de orientar os câmeras que estão com ele, todos de bonés, tranças, lenços e outros charmes, diz: "Queremo agradecer pelo espaço que conseguimos no governo ado. A comunidade toda teve sua auto-estima elevada e protagonizou na tevê, e por isso que te damos nosso apoio, véio. Conta com a gente".


Lindo de ver aquela turma gingando em câmera-lenta, olhando por baixo das sobrancelhas, meio desconfiados, como quem não sabe se está entre amigos ou o quê. Saíram da sala, em grupo, flutuando, com uma enorme ponta de orgulho de serem a própria comunidade hip-hop brasileira. E seguia o baile.


Fu Lana estava ali, para ver se melhorava suas idéias sobre política, sobre o trabalho coletivo de construir um Estado. Porém, ficou confusa com tanta reivindicação diferente. Complicado mesmo. Muito bom alguém abrir assim a forma de governar. Melhor do que não se ter canais para chegar no topo. Se não conseguimos uma forma mínima de reivindicar, menos poderes teremos para conseguir alguma coisa. A cultura é uma área difícil de acertar. Experiências adas dizem sempre que os erros podem acontecer e acontecem. Artistas são suscetíveis à têmpera (a tinta à óleo, etc). Sempre aprendendo. Será que já não está meio tarde para aprender?  


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Gremistas estão se mordendo, a inveja é uma m? É o retrato da disputa no sul do país. Se eles fizeram bem, palmas para eles. Se a gente não sabe fazer, vamos ter que aprender de novo e direitinho. Finanças, treino, políticas, talento e sorte, sabe-se lá o que falta. O que não dá para fazer é torcer para que eles não consigam, para que assim a gente continue a ser o único campeão. Vale a regra: se és competente, que se estabeleça. Vai ver e isso é o resultado dos super es dos times. Existem os que não aram a mão no dinheiro e outros que até hoje respondem judicialmente. O resultado no campo se esparrama para as torcidas. Umas comemoram e outras, indignadas, quebram tudo. Dizem que é maledicência da imprensa. Maldade é dos que têm responsabilidade e não têm capacidade para estar onde estão. Ufa. E o leitor, coitado, não tem culpa e vá lá a ler bobagens.



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Você conhece uma jaqueira? Temos em Porto Alegre uma oportunidade ótima. No Santander Cultural, está aberta, gratuitamente, a exposição Quem somos. Um apanhado da arte popular brasileira. É lá que Fu Lana conheceu a jaqueira. Enorme, com uns cearenses dormindo embaixo dela. De argila, com uma iluminação que destaca todos os detalhes das folhinhas. Viu também peças de madeira que são biombos, entalhadas um uma única peça. Bancos de madeira, luminárias de lata.


Lembrou de Lina Bo Bardi e o livro "O Design da Grossura", de quando a arquiteta viajava pelo Brasil buscando pelo design nativo, nos anos 60 (sempre os anos 60). Foi cassado seu projeto em 64. E hoje, graças à evolução da espécie, e, claro, à resistência de quem sobrevive, as obras populares finalmente estão em um museu, quase uma catedral. Expostas lindamente, com dignidade. Nenhuma semelhança com a indigna situação das ruas. É até exótico ver aqueles carrinhos de café, criados pelo usuário anônimo, de acordo com suas necessidades, onde ele fez um lugar para os doces, outro para os copos, com vitrininhas ambulantes, e até um desenho estrutural que traz mobilidade para subir nas calçadas. Um verdadeiro exercício de desenho industrial. A curadoria foi perfeita. Do que se conclui: a justiça em alguns casos tarda, mas chega em alto estilo, toda elegante, de viola e gaita na mão.

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