Paulicéia com sol

Aeroporto é um lugar estranho demais. Na verdade, eis o lugar nenhum, a que se chega para partir também para uma possibilidade de destino, …

Aeroporto é um lugar estranho demais.


Na verdade, eis o lugar nenhum, a que se chega para partir também para uma possibilidade de destino, a que se pode ou não chegar. Acabo de descer em Guarulhos, depois de uns dois anos longe de Sampa e confesso, sem a menor vergonha, que dormi todo o curto trajeto. E vim de Tam. Num vôo legal.


Eis-me aqui, neste centro mais que nervoso do Brasil, para uma pequena maratona de quatro dias durante os quais muitas coisas terão de ser resolvidas. Munida de um mapa do Uncle Google e um roteiro estabelecido pelo filho que aqui mora faz dois anos, banquei a experiente e disse ao motorista do táxi: vamos para a Vila Romana.


Assim, como quem manda rumar para Sapucaia. Quase uma hora depois, chego a meu destino, com direito a voltas e contravoltas e a uma boa conversa com o taxista que me jurou que São Paulo tem bronca apenas de cariocas - porque são folgados. E aqui não tem lugar pra gente folgada.


No trajeto, borda do Tietê afora, me contou que já levou muito famoso em seu carro - ainda sem gps, que estava no banco, carregando, para ser instalado em breve. A lista dos simpáticos inclui Fábio Junior e Zezé de Camargo, mas sem o Luciano que, como Jô Soares, "´é um nojo". E perde apenas para Antonio Fagundes, este sim, o rei dos antipáticos, a maior decepção deste senhor filho de italianos cujo nome não vou contar porque ele continua em Guarulhos, levando e trazendo os famosos.


O bom de viajar está justamente em ter estas conversinhas aparentemente tão banais e desimportantes.


E estar, como agora, sentada ao lado de um grande compositor, com um laptop emprestado que está me dando o maior trabalho porque não tem word nem office - afinal, aqui é uma produtora musical, a Comando S, um complexo de estúdios que Serginho Rezende toca como vero maestro de orquestra. Num destes estúdios me observa um lindo piano Carol Otto, da década de 50. No outro, um cello encostado num canto e o cellista aqui, sentado ao meu lado e de Lourenço, meu filho produtor musical, pronto para tocar, tudo gente feliz porque trabalha muito, mas trabalha com este privilégio chamado arte.


Faz sol aqui, o clima ameno me faz quase esquecer as tristezas de Santa Catarina, e as perspectivas destes dias paulistanos me renovam a alma. 


Meu aparente desassunto tenta, portanto, chegar ao ponto das diferentes interfaces do ato e da capacidade de se comunicar que se tem, como bicho-homem. Driblo, aqui, as palavras com acentos e cedilhas e penso que assim vamos vivendo, buscando driblar a falta de familiaridade com tantas coisas e aprendendo novas linguagens.


Talvez porque seja quase Natal de novo, me permito fazer um texto que fica longe da briga, dos tensionamentos desta carga diuturna de busca de um lugar ao sol e de reafirmar nossa persona, muitas vezes batendo forte em quem nem mesmo conhecemos.


Trégua?


Pode ser.


De vez em quando, faz bem. Prá gente e os outros.


Daqui a poucos dias, estarei de volta ao território de ninguém, o tal aeroporto. Saindo de terra firme. O que é bom demais.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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