Para vencer
Ela era uma menina. Mas a lição já estava apreendida: para vencer o inimigo, é preciso atacá-lo no que ele apresenta maior fraqueza. E …
Ela era uma menina. Mas a lição já estava apreendida: para vencer o inimigo, é preciso atacá-lo no que ele apresenta maior fraqueza. E o fraco da ditatura (segundo o veterano jornalista, "uma velha pelancuda que já nasceu caduca") não era, definitivamente, a força. Apesar de ter freqüentado palestras do comunista na adolescência, Fu Lana irava cada vez mais aqueles que tiveram a coragem de defender a sociedade brasileira de um estupro moral, físico e ético, sofrido por vinte anos. João Baptista Aveline não caiu durante o confronto e hoje, com 85 anos, lembra os companheiros que acabaram empalados.
Fu Lana lê, impaciente, a opinião hoje dada por aqueles que dizem que a tragédia imposta ao país não merece lembrança nem registro. Pensa que devam ser levantados os dados guardados e que a anistia seja completa. Afinal, já dizia o General Golbery do Couto e Silva: a abertura seria lenta, até gradual, porém irrestrita. Foi aí que ela percebeu onde estava o tal fraco da ditadura: no arsenal da memória. Entendera, finalmente, do que falava Aveline: não é preciso pegar em armas, mas atacá-la na falta de sustentação moral.
Tá certo. Ela sempre desdenhara aquele homem. Era como se, antes, quando ela era mais jovem, ele já fosse um rótulo. Nas reuniões estudantis, ele era uma opinião respeitada, mas ela não o levava a sério. Tratava-se daquela empáfia com que os jovens tratam os velhos. Hoje, avançando no caminho desta para melhor, Fu Lana não faz outra coisa que conviver com pessoas de idade avançada. E o faz para rejuvenescer. Eles sempre sabem mais, são peritos em alguma área. Têm pressa e coragem. Nos alimentam o espírito, sabem falar e respeitar a divergência. O que esses velhos têm é talento. E é essa a diferença que se percebe nas duas platéias: uma, nasceu sabendo, rotula e desdenha o que não conhece. A outra, procura aprender, mesmo depois de velha.
Fu Lana espanta-se com a própria capacidade de descobrir quanto tempo perdera devaneando em seus próprios e pobres conceitos. Poderia ter estado mais atenta, não ao que diz a maledicência, mas ao que dela poderia discernir, colocando o cérebro para funcionar. Estavam todos lá, naquela noite. No ado e no presente, em uma manifestação política. A reclamação dos palestrantes continuava a mesma: a falta de freqüência, o desinteresse, o alheamento do resto da sociedade.
Para Fu Lana, ser pejorativamente jovem é tornar-se aquele que não tem responsabilidade, que não tem com o que se preocupar, a não ser em curtir a própria vida. Vida que vai desvanecer, tornar a pele até pelancuda e a mente caduca, mas que ainda assim merece ser conhecida e registrada até o fim. Até porque o fim para uns é o começo de muitos outros.
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