Para o eleitor a infidelidade partidária é normal

Por Elis Rann

No ado, não muito distante, quando os políticos mudavam de partido, se preocupavam em serem taxados como infiéis e corriam para dar uma explicação ou contar uma história triste. Inclusive, em alguns casos, os eleitores não perdoavam os políticos que pulavam de "galho em galho".

O troca-troca de partidos ficou tão comum, mas tão comum, que a justiça eleitoral até criou a chamada "janela partidária" para acomodar as mudanças ocorridas. E no período autorizado por lei os políticos ficam procurando o partido que oferece as "melhores condições" para sua adesão. Segundo o TSE, mais de três mil candidatos que concorreram nas eleições de 2018 estão com outro partido nesta eleição.

As pesquisas qualitativas realizadas pelo IPO - Instituto Pesquisas de Opinião têm avaliado profundamente a percepção do eleitor sobre fidelidade partidária. Os estudos mostram que, atualmente, a maioria dos eleitores não se incomoda com a mudança partidária. Mudar de partido é visto como algo natural, que faz parte do jogo da política.

Desde a abertura democrática, o eleitor vem com um "pé atrás" com os partidos políticos. A experiência democrática dos últimos anos foi reforçando a desconfiança com os partidos políticos, estabelecendo a ideia de que o fisiologismo, a maracutaia, a negociação por cargos e até mesmo a corrupção fazem parte do DNA dos partidos políticos. 

Os eleitores fazem um raciocínio simplista para perdoar a infidelidade partidária. "Se a população não confia nos partidos políticos, tanto faz o partido que o candidato está". Avaliam os partidos mais pelas pessoas que os integram do que por seus ideais. Inclusive, desconhecem a diferença programática entre a maioria dos partidos.

Quase metade da população não tem ideologia partidária, não se classifica nem como de direita, nem de centro e nem de esquerda. Para esses eleitores, os partidos não trazem vantagens, não são responsáveis por nenhuma mudança significativa em sua realidade social. 

Nesta conjuntura, a confiança do eleitor é depositada na pessoa do candidato, no personalismo do político, em suas propostas ou na sua capacidade de retórica. Um exemplo comum dado pelos eleitores é o caso de Bolsonaro, que desde que começou a sua vida política, já ou por oito partidos políticos. Para os eleitores de Bolsonaro, tanto faz o partido em que ele está.

Voltando ao ponto inicial, em como a democracia foi pensada e o sistema político brasileiro organizado, os partidos são e devem ser peças fundamentais da decisão, a essência da disputa política. Por princípio, deveríamos conhecer os candidatos pelos partidos que representam. As ideias dos candidatos deveriam ser um espelho dos ideais partidários. 

Tanto é que quando votamos em um vereador ou em um deputado, no atual sistema proporcional, estamos definindo o número de cadeiras que o partido desse candidato irá ter no legislativo. Os votos são computados para a legenda partidária.

É um debate complexo, "o que deveria ser, não o é" em função do ciclo vicioso estabelecido pelo próprio sistema partidário. A estratégia da eleição é baseada na pessoa do candidato e os partidos gastam mais tempo procurando nomes competitivos do que se preocupando com o fortalecimento de seu propósito e o restabelecimento dos elos de confiança com o eleitor.

Autor
Elis Rann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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