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José Antônio Moraes de Oliveira 6a655e

06/08/2021 11:30
Outros desassossegos

" Não devemos devassar os sentimentos  que os outros fingem que tem".  4b125j

Fernando Pessoa.

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O poema em prosa "O Livro do Desassossego" não foi assinadoporFernando Pessoa, mas por um de seus heterônimos menos conhecidos, Bernardo Soares.Tanto pode ser lido como confessional ou comodiário ficcional.  São centenas de fragmentos, colados sem príncípio, meio ou fim, que exibem a complexa personalidade do grande poeta portugues.Foi encontradona casa onde morava em Lisboa, quase 50 anos após sua morte. É visível que Fernando Pessoa usou Bernardo Soares como máscara para suas confissões, eando por angústias, inquietações e muito tédio. Sempremarcados pela lucidez e por uma inesgotável capacidade de refletir sobre a condição humana.

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Em O Livro do Desassossego, BernardoSoaresé como um alter ego identificado com a essência poética domaster ego Fernando Pessoa. Ele é portadordeuma biografia fictícia, que o diferencia deAlberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Já Alberto Caeiro é descrito como um camponês com poucos estudos, que acreditava ser mais importante para o poeta sentir do que pensar. O seu O Guardador de Rebanhos sugere preferir a contemplação da natureza para fugir do pessimismo e do tédio.

O outro poeta, Ricardo Reis mereceu um perfil sofisticado - estudou medicina e se declarava monarquista. Demonstrando seu desprezo à modernidade, usava um vocabulário erudito e a linguagem dos clássicos. O ano de seu nascimento é conhecido  - 1887, no Porto -  mas Fernando Pessoa esqueceu de definir o ano de sua morte. José Saramago fez uma intervenção em seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, ao situar sua morte em 1936.

O mais conhecido dos heterônimos, Alvaro de Campos, é o autêntico alter-ego de Fernando Pessoa. Foi educado em inglês, leu Shelley e Shakespeare e se declaravaum estrangeiro em Portugal. Se apresenta como otimista quando se refere ao ado, mas se comporta como pessimista, quando contemplaas angústias do presente.

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QuandoBernardo Soaresse descreve como um modestoguarda-livros,empregadoem um sombrio escritóriono centro de Lisboa.Ele espelha o próprio Fernando Pessoa,que trabalhou como tradutor de idiomasem um 4º andar daRua dos Douradores. Em outromomento, ocorre um contraponto, quando Fernando Pessoa assume a identidade de Bernardo Soares, ao sairpelas ruas de Lisboa,observandoos antes. Elefaz reflexõessobre a banalidade da existência humana, com agudo realismo, mas com temperosde ternura: 

" Descendo hoje a Rua Nova do Almada, reparei nas costas  do homem que a descia adiante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de um fato modesto  no dorso de transeunte ocasional.

(...)

Levava uma pasta velha debaixo do braço esquerdo e punha no chão, no ritmo de andando, um guarda-chuva enrolado, que trazia pela curva na mão direita.                                                  Senti de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti a ternura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal quotidiano do chefe de família que vai para o trabalho, pelo lar humilde e alegre dele, pelos seus prazeres alegres e tristes (...)."

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