Outro Woodstock, nunca mais
Na época os americanos viviam em um ambiente político e social de extrema truculência e enraizados preconceitos contra as minorias silenciosas. As elites, caipiras …
Na época os americanos viviam em um ambiente político e social de extrema truculência e enraizados preconceitos contra as minorias silenciosas. As elites, caipiras e anglicanos, avam fogo em qualquer coisa que não fosse à sua imagem e semelhança. A polícia baixava o cassete em negros e homossexuais, por que sim, e os Republicanos, no auge da Guerra Fria, além de mandar milhares de jovens para o moedor de carne do Vietnã, perseguiam qualquer forma de ativismo artístico e intelectual. Duas figuras públicas eram especialmente odiadas pelo poder político coorporativo: o presidente John Kennedy e Martin Luther King, ambos sumariamente assassinados pela extrema-direita.
O fenômeno Woodstock é algo inimaginável para as atuais gerações de jovens. O festival era para ser de música, mas o que aconteceu lá estremeceu uma nação e plantou a semente de uma nova era que rapidamente se disseminou por quase todo os Estados Unidos. Na verdade foi uma revolução pacífica, é verdade, feita com muito sexo, drogas e Rock and Roll, mas foi o maior e mais catalizador movimento social jamais visto desde a guerra da secessão.
Os organizadores estimaram um público em torno de 200 mil pessoas. Ingressos foram vendidos e a infraestrutura de acomodação, água, comida, serviços médicos foi prevista para ar esta previsão. Erraram feio o cálculo. Mais de um milhão de jovens de todos os cantos do território americano se dirigiu para lá, como se tivessem sido tocados ao mesmo tempo por uma mensagem sobrenatural.
Ao ver a massa excedente, sem ingressos, silenciosa e alegre, os organizadores simplesmente abriram os portões para quem quisesse entrar. A tolerância começou com este gesto. Nada abalou aquele ambiente de paz, amor e de um profundo espírito coletivo de amabilidades e desapego, mesmo embaixo de um dilúvio que transformou o lugar num lamaçal. Algo assim: "Você não tem comida? Coma conosco. Não tem onde dormir? Durma em nossa barraca." 500 mil pessoas ficaram de fora da área do espetáculo e se acomodaram no entorno como puderam.
Quando Jimmy Hendrix fez um rifi do hino americano em sua guitarra diabólica, as pessoas entraram em transe coletivo. E choraram, e se abraçaram e se beijaram, como se tivessem percebido que aquele hino era de um outro país, e era. Era o hino do futuro que chegara para ficar.
Três dias e três noites de muita droga (leve) e som pesado, e quase todo mundo nu, e nenhum ato de violência, nenhuma briga, nenhum estupro ou qualquer forma de assédio ostensivo. Se um cara tinha uma Bad Treep, outros vinham em seu socorro, falavam com ele, embarcavam junto na "viagem ruim" para tirá-lo de lá e trazê-lo de volta. Refeito (de cara), o sujeito alegava que iria embora para casa. "Não vai, não." - diziam a ele. "Agora que aprendeu como sair do bode, vá ajudar quem estiver precisando". Claro, ele ria e ia ajudar.
Os dedos em V, os longos cabelos, a paz e o amor, a liberdade sexual, incendiaram o imaginário de uma geração inteira porque, potencialmente, ela estava pronta e desejava ardentemente encontrar uma saída para a falta de perspectiva. O sexo a céu aberto foi o modo de esbofetear o moralismo rançoso da classe média, e depois, para as eatas, o protesto e o engajamento político, foi um pulo. Vá dizer para as atuais gerações de jovens que eles deviam pelo menos sair um pouco dos seus umbigos e cercarem o Senado, constrangerem a camarilha, chamarem a atenção da imprensa nacional e internacional. Nem tente. Você não vai conseguir romper tantas camadas de egoísmo infantil e apatia acumulada. Outro Woodstock nunca mais.
Abaixo depoimento de um cara que participou do festival, gentilmente copiado de outro site.
Steve Kochick
Morador de Madeira Beach
Profissão: Tenente reformado no corpo de bombeiros de Nova York, e hoje comissário municipal e vice-prefeito de Madeira Beach.
Idade então: 22
Idade atual: 62
Momentos memoráveis: Eu tinha acabado de voltar do Vietnã, quatro meses antes (depois de 13 meses de serviço militar naquele país). Na estrada de terra que levava ao local do festival, percebi um sujeito que estava usando uma jaqueta do exército, uma espécie de camisa de soldado. Olhei para o lado e percebi a insígnia de sua unidade na manga. Era a 196ª Brigada de Infantaria Leve, a mesma unidade em que eu havia servido. O sujeito e eu tínhamos combatido juntos. Ele voltou seis ou sete meses antes de mim. De repente, ele me olhou e disse: "Steve! Você sobreviveu". No meio de toda aquela gente, todos aqueles rostos, lá estava justo aquele sujeito com quem eu tinha dividido uma trincheira. Foi uma experiência fantástica. Havia muita felicidade em torno de nós. Creio que foi por isso que decidi me dedicar ao serviço público. Escolhi minha carreira como uma maneira de redespertar aqueles pensamentos de criar uma comunidade melhor, aquela crença de que existem coisas pelas quais vale a pena lutar.
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Mulher com sua filha em Woodstock. | Jimi Hendrix em apresentação. |