Os ventos e os tempos
Estudei uns 10 anos numa escola tamanho quarteirão, na época em que, quase sem indústrias poluidoras, sem desmatamentos e sem o prejuízo urbano dos …
Estudei uns 10 anos numa escola tamanho quarteirão, na época em que, quase sem indústrias poluidoras, sem desmatamentos e sem o prejuízo urbano dos milhões de automotivos, São Paulo possuía quatro estações bem definidas. No hoje bairro do Morumbi eu, nos cipós, brincava de Tarzan e, certa vez, jantando em casa de um amigo, no bairro do Butantã, descobri que o edifício fora construído bem em cima de uma cachoeira onde a gente, no verão, tomava banho. Entre coisas fabulosas, essa escola - Caetano de Campos -, hoje Secretaria de Educação do Estado, está situada em meio a um grande jardim. Se a gente esquecia que a Primavera havia chegado, o jardim lembrava.
Defronte à escola, ou vice-versa, (estava) está a Praça da República, hoje um espaço marginal onde, antes mesmo da idade escolar, eu brincava. A amendoeira que dava sombra aos meus sonhos permanece lá, ainda que todos os sonhos já tenham sido sonhados, ou não serão mais.
Estive em setembro, às vésperas da Primavera, em Porto Alegre e ela já chegara antes de mim. Ipês roxos e amarelos, jacarandás e flamboyants disputam, todos os anos, concursos de belos e exóticos coloridos. Entre grandes e médias cidades brasileiras, a Primavera de Porto Alegre é única, assim como jurava o globe trotter Erico Verissimo em relação ao crepúsculo do verão sobre o Guaíba.
Certa vez, no Inverno de Porto Alegre, perguntei a uma empregada como estava o tempo e ela, acusando o minuano, respondeu: - Hi, seu Mario, tá um vento tão soprado!
Quando fui pela primeira vez a Montevidéu, era início de setembro, a temperatura oscilava entre 0º a 8º Celsius e um minuano muito atrasado comia bravo. Whisky, só na festa do Dia da Pátria, na Embaixada do Brasil e na casa de Vinicius de Moraes, pois o poetinha, apesar dos primeiros sucessos como compositor, era o nosso Adido Cultural. Anos depois seria demitido do Itamaraty e chamado de vagabundo por Costa e Silva. Aliás, quem foi mesmo Costa e Silva!?! Nos botequins da capital uruguaia - todos calafetados - o que quebrava mesmo o galho era a boa grappa argentina, boa e barata, aguardente obtido a partir do bagaço da uva Cabernet Sauvignon. Luiz Carlos Maciel, Paulo César Peréio, Paulo José, companheiros da jornada teatral, e eu, tínhamos um ritual: tomar uma grappa antes de atravessar uma rua e outra, depois (Oh juventude, oh saúde!).
Estive algumas vezes na Europa, durante a Primavera, e salta aos olhos o amor do povo pelos gramados bem tratados e pelos jardins floridos. Se o outono daquele continente possui uma luz mágica, como se quisesse esconder algum segredo mais sutil, a Primavera é uma palheta de pintor ensandecido, um festival despudorado de cores.
Os ingleses parecem que têm um único hobby: a jardinagem. Eles, inclusive, possuem "jardins particulares" aos milhares, ou seja, moradores de um determinado lugar têm os seus jardins gradeados e suas respectivas chaves. Na Inglaterra, a Páscoa cai sempre na Primavera, o que permite imaginar a grande farra que deveria ser, antigamente, o banho público nos lagos e rios, quando se celebrava a ida do frio e a chegada da higiene. Não sei como o pessoal agüentava, mas o mau-cheiro corporal era atenuado, durante o Inverno, com os bolsos cheios de folhas de alfazema. Quem sabe, naqueles tempos, os ventos levavam..?
Inté.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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