Foi lá pelo segundo ano do segundo grau - naquela época era assim que se chamava o ensino médio - que o Ronaldo começou a namorar a Martha.

A paixão de dois anos dele se materializara; nas festas de final de semana era a ele que ela beijaria. Dançaria só com ele.

Vou contar para Vocês como era a Martha lá pelo fim dos anos 70: loira de olhos azuis, não muito alta, talvez pouco mais de um metro e sessenta, sardas discretas no rosto e ombros. O corpo tinha tudo no lugar, era elegante e, discretamente, simpática.

Os colegas do Ronaldo babavam pela Martha, e não entendiam o que ela vira no Ronaldo. Ele não se destacava pela inteligência, tinha o rosto coberto de espinhas e, pior de tudo, fazia bolas de meleca durante as aulas de Matemática.

O namoro durou. Terminaram a escola, entraram nas respectivas faculdades. A Martha formou-se em Relações Públicas , o Ronaldo abandonou o curso de Letras para nunca mais voltar.

Aí a Martha conheceu o João Lucas. Publicitário, começando no negócio da propaganda, logo se tornaram sócios numa agência de publicidade e, quase ao mesmo tempo, começaram a dividir lençóis, banheiro e todas as coisas que os casais dividem.

O Ronaldo bailou.

De lá para cá se ou um quarto de século. Ronaldo nunca esqueceu a Martha. Ela teve filhos, separou, casou de novo, separou, casou de novo, separou.

Neste longo período, aquela parca inteligência do Ronaldo associou-se a uma tendência ao crime. De tão preguiçoso, sempre desconfiei da perspectiva de um assassinato se o Ronaldo viesse a conhecer o cara que inventou o trabalho.

Periodicamente, encontro-o na Cidade Baixa. Depois do segundo uísque - Ronaldo só bebe destilados - lá vêm as lembranças: as marcas do biquíni no fim do verão, o sorriso dela, a primeira vez deles, enfim, Você também conhece um Ronaldo?

Mas o que mais aparece nas lembranças dele, no entanto, não era o aspecto sexual da relação. O que enternecia o Ronaldo eram o teagá do nome dela e os olhos azuis. Ele chegou a criar gatos himalaias para homenagear os olhos dela.

Sua vida afetiva pós-Martha foi um pleno fracasso. Ele nunca se encontrou. A profissional, até um tempo atrás, era outro.

Neste campo, as coisas mudaram a partir do início do governo do Lula. Militante histórico do PT, daqueles que sempre conseguiram uma boquinha, definitivamente, na esfera federal, arrumou-se. Pendurou-se num destes ministérios cuja única finalidade é acomodar a companheirada com um salário dez vezes maior do que recebia como cecê da prefeitura de Porto Alegre. Uma namorada do partido ajudou desta vez.

Lula, que já era um ser iluminado para Ronaldo, depois da boquinha, transformou-se num deus aos olhos dele; a cada asneira dita pelo apedeuta, ele delira.

Recentemente, diante de um chefe de governo que sabe o que significa a expressão liturgia do cargo, o inglês Gordon Brown, Lula responsabilizou as pessoas de olhos azuis pela crise mundial.

Ronaldo, é claro, lembrou dos olhos da Martha. E mais uma vez agradeceu ao Lula: sua acusação, como que por encanto, fizera-o livrar-se da paixão recolhida. Se Lula acha que a culpa é dos olhos azuis, está decretado. a Martha é culpada!

Entre a teta no governo e os, agora, inatingíveis seios dela, Ronaldo não titubeou: acendeu um cigarro e foi ler a Carta Capital. O partido está acima de tudo!