Os 250 anos de uma cidade que nem sempre me deixa alegre
Por Márcia Martins

Gosto da Porto Alegre que abraça os moradores com seus recantos, parques, praças, museus, teatros, casas culturais e demais encantos de uma cidade que amadureceu, mas não deixou as rugas do envelhecimento lhe tirarem o brilho e o frescor da juventude. Pelo contrário, procura estar antenada com tudo o que diz respeito à modernidade. iro na capital gaúcha locais tão clichês que, mesmo morando nela desde que nasci, continuam me envolvendo e me fazendo a cada eio, descobrir novas atrações até então escondidas no meu inconsciente de cidadã porto-alegrense.
As ruas do Bom Fim, meu bairro de moradia por muitos e muitos anos. Conheço ali cada detalhe daquele canto, seus edifícios, seu comércio e até os moradores de rua mais antigos. Sim, o Bom Fim é um clichê, mas eu sempre vasculho algo novo que me deixa mais apaixonada mais do local. A Redenção e seus pedaços verdes que assistem ao crescimento da construção civil nos seus arredores. Sim, a Redenção é um clichê, mas nela eu me perco e me encontro, principalmente agora que sou moradora da Cidade Baixa, a umas três quadras desta maravilha da natureza.
Mas eu adoro também caminhar pela Rua dos Andradas, desde o seu início ali no Gasômetro até seu término na Rua Senhor dos os. Sem pressa. Com paciência para irar o calçadão, os ambulantes, o comércio e o vaivém nervoso dos trabalhadores na entrada e saída de seus serviços. É um clichê de todo porto-alegrense gostar da rua mais conhecida como da Praia. Só que em cada ida minha àquela via, eu descortino uma nova história, me deparo com uma nova vida e me ponho a imaginar rotinas diferentes da rua.
A Casa de Cultura Mario Quintana, a Orla do Gasômetro, os cinemas que migraram para os shoppings, os cafés diversos no bairro Cidade Baixa, os bares que movimentam a vida noturna e até mesmo o Parcão, que não tem a minha total simpatia. Mas são símbolos de uma cidade que me abriga, me acolhe e me orgulha. Sou totalmente porto-alegrense, daquelas assumidas e apaixonadas, e umas duas vezes, por questões puramente profissionais, pensei em deixar a capital gaúcha. Mas minha ligação com Porto Alegre, que comemora esta semana, os seus 250 anos, impediu o afastamento.
Só que a cidade que eu amo nem sempre me deixa alegre. Pelas ruas, quando posso caminhar em função do isolamento da pandemia da Covid-19, entristeço ao olhar os postes sem iluminação, a coleta de lixo deixando a desejar, as ruas sem nenhuma segurança para transitar de dia e de noite e as praças e parques no total abandono. Nas caminhadas pela Cidade Baixa, para onde me mudei em agosto de 2019, não consigo segurar as lágrimas ao ver o absurdo crescimento da população de rua, cuidando de pertences arrecadados nos containers de lixo, mendigando um pouco de dignidade e dormindo sob as marquises.
Essa Porto Alegre me apunhala e me destroça. A cidade que não tem políticas públicas para as mulheres me tira a esperança do olhar. A cidade que tem o transporte coletivo quase depenado, sem investimentos, e com ageiros entulhados, me provoca um sentimento de aflição. A cidade que apresenta uma saúde pública precária, pela falta de vagas e fechamento de hospitais, me deixa melancólica. A capital gaúcha que aboliu o uso de máscaras em locais abertos e fechados (com poucas exceções), ignorando que ainda estamos em pandemia, me provoca consternação.
Quero, um dia, quem sabe, ver estes problemas resolvidos na cidade que eu amo e onde quero sim terminar minha história. Porto Alegre tem tudo para voltar a me deixar 100% feliz.