Olga para mulheres
Detesta lugares-comuns. Detesta situações previstas, conhecidas, caminhos já trilhados. Por isto estava com medo de ver o filme Olga. Ouvira que era forte, violento. …
Detesta lugares-comuns. Detesta situações previstas, conhecidas, caminhos já trilhados. Por isto estava com medo de ver o filme Olga. Ouvira que era forte, violento. De amigas, que houve nudez desnecessária. De uma moça no caixa de supermercado, que nunca assistiria sozinha, pois sabe-se lá o que aconteceria com ela. "A filmes assim, precisamos ir acompanhadas". Pois rebelde, Fu Lana decidiu ir só. Sem avisar viva"lma, preparou-se para a guerra, no escuro do cinema, e encarou a guarda. Se Olga poderia, por que não ela? A espera do filme trazia os comentários de volta à memória: era o estigma da divulgação. Fala-se demais. E todo esse "falar" nunca será o bastante.
Gostou de ver as seqüências de excelentes planos médios com reconstruções de cenas históricas tocantes. A luz, a textura e a atuação dos personagens traziam o teatro, o talento. Talvez a construção de Olga tenha sido rígida demais, heróica demais, caricata demais. Sentiu falta de uma mulher cheia de defeitos, como em geral as conhece, de carne e osso, como na verdade ela deveria ter sido. Nenhuma mortal teria a postura superior e dramatizada o tempo todo. Poderíamos citar Che Guevara na tela, que era mais parecido com o nosso vizinho do que com um herói distante. E a humanização do ídolo traz o mito de volta. Aqueles olhos de santa, com aquele homem sempre a reverenciando por sua beleza? Fu Lana já desconfiava: "Tem algo de melhor nessa Olga, além de sua postura altiva".
Como queria evitar, a história contada e a atuação feroz do papel da mulher Olga arrebataram à tona os sentimentos profundos da perda mais atroz reconhecida entre as mulheres. Todas somos mães, filhas ou avós. Os laços humanos desfeitos pesam demais sobre as mulheres, apesar de serem fortes lutadoras na guerra das ideologias. É onde a mulher se descobre frágil e, se lhe tiram os entes queridos, e, principalmente, se os decepam, ela vai à loucura, mesmo no cinema.
Qualquer semelhança com a vida real e cotidiana de perdas se acumula no filme, e tem uma hora que Fu Lana não quer mais chorar. E quer que acabe tudo aquilo que é uma tortura sutil e elegante. Graças a muito bom senso, não há atos explícitos ou sanguinolentos como em outros filmes sobre lutas políticas, guerras e campos de concentração. Os planos fechados, intimistas, ambientados com honestidade de recursos, não se configuram tampouco em uma série da Globo, como ouvira de outrem, embora a estética se aproxime de vez em quando. Deve ser o hábito dos profissionais envolvidos. Aquele vício de ângulo, uma poesia irreversível aqui e ali, para desviar o conteúdo que trata da luta de classes. Nossos heróis não são exatamente pessoas bem gratas entre alguns formadores de opinião.
As cenas, a fotografia, a música que quis parar de ouvir, as lágrimas que teimaram em cair, a dor que sentiu de verdade durante parte do filme, valeram o ingresso. Fu Lana não é masoquista, é sensível. Política? Fora o que sabia da guerra fria, das guerras em geral e da história brasileira contada em prosa e verso, ela ficou entre bandidos e mocinhos. Fu Lana confundiu-se mesmo foi com o Getúlio Vargas que trazia aquele sotaque gaúcho arremedado do centro do país em que não se acredita nem sob tortura.
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