Odiosa discriminação ou consolo ao Mário Marcos
Por Flávio Dutra

Manifesto aqui minha irrestrita solidariedade ao amigo Mário Marcos de Souza que foi vilipendiado por outro amigo comum, o David Coimbra. Este, num surto de insensibilidade, publicou, em recente coluna, que foi perturbado noites e noites pelos roncos do Mário Marcos, durante a cobertura da Copa da Alemanha, quando dividiram o mesmo apartamento no hotel. Foi longe demais o festejado, mas inconveniente, cronista da última página de ZH, revelando intimidades do sono do companheiro de lida: "O Mário roncava tanto que eu não conseguia dormir. Era um ronco alto e grave, parecia um motor de trator. Às vezes ele dava uma parada e eu pensava: será que o Mário morreu?", descreveu o traquinas David. Não, o Mário Marcos não havia morrido, tanto assim que já emprestou seu talento para a SporTV como comentarista e volta e meia dá seus pitacos nas redes sociais. Só não sei até que ponto a intrigante coluna do David abalou os alicerces emocionais deste luminar do nosso jornalismo.
O detalhe é que a coluna era sobre a Síndrome da Perna Inquieta e sobrou novamente para o coitado do Mário Marcos, que, segundo a versão indiscreta do David, tinha por hábito mexer as pernas sem parar, quando estava a editar matérias na ZH.
Se serve de consolo, valoroso Mário Marcos, também tenho sido vítima desse preconceito, odioso e odiento como todos os preconceitos, contra os roncadores. E, como no teu caso, exposto pública cruelmente pelo David, o que mais magoa é que as contrariedade e rejeições vem de parte de gente muito próxima. Em viagem com familiares à Europa, minhas netas Maria Clara e Rafaela, as amadas netas maiores, as netas para as quais vou legar um bom quinhão de minha coleção de canecas, as netas as quais dedico os meus livros, as pequenas ingratas se insurgiram numa estadia em Barcelona e exigiram que o seu querido e noturnamente barulhento avô fosse exilado para um quarto isolado, perto da cozinha do apartamento alugado. Lá poderia roncar a vontade, alegaram. E assim foi feito, com o consentimento do restante do grupo familiar, bando de traíras. Pior foi aturar a cara faceira, de noite bem dormida, das duas peraltas nas manhãs seguintes.
Em outra ocasião, o amigo e parceiro de trabalho Pedro Macedo, com o qual dividi o quarto de hotel num evento, gravou minha roncadeira noturna e depois apresentou a gravação em reunião de diretoria na instituição onde labutávamos. Foi constrangedor e, por isso, como no caso do Mário Marcos, recomendo que se escolha pessoas mais tolerantes como companheiros de hospedagem.
Já tentei me tratar, freqüentando duas noitadas em laboratórios do sono, que rivalizam em mal estar com as tomografias, com o agravante que duram a noite toda e nem café da manhã te oferecem na saída. Dois APs (aparelhos anti roncos) dormitam inertes na minha cabeceira, porque usar aquela máscara toda a noite e todas as noites era um suplicio. Sem contar que em viagens significam mais um trambolho a ser carregado.
Sei de casos de separações de casais por causa dos roncos do companheiro de leito, e trato no masculino porque a maioria dos perturbadores é de homens. Consta que são crises conjugais tão sérias que rivalizam com as causadas pela infidelidade de um ou outro parceiro, Pelo visto, estamos diante de uma situação dramática, mas que não precisa chegar ao ponto de escorraçar e provocar a marginalização de quem ronca, especialmente pelos mais chegados.
Como todos os discriminados, nós, os roncadores, queremos reconhecimento, relevância e condescendência diante da nossa condição de quase rejeição social. Trata-se de uma questão identitária, atestada pela sonoridade peculiar do nosso sono.
É hora de roncarmos unidos contra a intolerância. Reparações, já. Tamo junto, Mário Marcos. e vai o meu estridente repúdio ao David.