O tio dos aforismos

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Rir é fazer ginástica por dentro".

João Ramos.

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 Eu tinha muitos tios e muito aprendi com eles. João Ramos era um professor de vida e uma figura curiosa. Eu gostava dele, mesmo sem entender direito seus ditos e falas. Era formado em direito na Capital, mas desgostava da profissão, preferindo criar ovelhas ns campos de Camaquã. Minha mãe dizia que a culpa era da irmã América, uma doce moça do campo, pela qual João Ramos caiu de paixão. Mas lhe foi preciso juntar muita coragem para encarar o Coronel Picurra ao pedir a mão de uma das jóias da família. 

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Ele tinha nome de poeta - João Ramos Vieira Calderón e era um devorador de livros - lia tudo o que lhe caía nas mãos, poemas, filósofos gregos, romances de Dumas e até os velhos almanaques  da Bertrand. Entrava madrugada adentro, na companhia de seus poucos mas apreciados livros. Mas levantava com o sol e ficava debaixo das árvores, com a cuia de mate em uma mão e um livro na outra. Quem ava, ganhava Bom Dia e uma frase para se pensar: 

" Deus sempre ajuda quem cedo madruga".

Quando quis saber a razão daquilo, ele disse que provérbios eram lembretes que os antigos usavam para ensinar ou advertir. E que tinham rimas para ajudar a não esquecer o ensinamento. Mas o que ele gostava mesmo eram os aforismos usados pelos grandes escritores. E foi logo me dando uma amostra:  

"É triste saber respostas, quando ninguém pergunta nada".

"A vida é breve, mas a velhice é longa".

"A gente só dá valor à água quando o poço seca".

Gostei muito e pedi mais exemplos e ele não se fez de rogado:

"Quando dormimos, voltamos a ser criança".

"O tempo cura tudo, mas não embeleza ninguém".

"Se um caminho não tem obstáculos, não vai te levar a lugar nenhum".

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O pessoal da fazenda nem sempre entendia as tiradas do João Ramos, mas achavam muita graça em algumas delas. Mesmo criando ovelhas e vivendo entre peões, nunca usava a linguagem campeira. E se divertia distribuindo suas pequenas doses de filosofia, pois sabia que alguma coisa sempre ficava na cabeça das pessoas. Mais de uma vez, ouvi uma das tias mais velhas usar um dos aforismos:

"O melhor lugar do mundo é o colo da mãe".

Com o ar dos anos, o cabelo branqueando, as frases do tio João Ramos foram ficando tristes, sem a graça de outros tempos: 

"A sabedoria chega com a idade, mas às vezes, a idade chega sòzinha".

"Ficar velho é inevitável, mas amadurecer

por dentro não é para todos".

Um dia, perguntei como ele não se cansava de ler por horas a fio. A resposta me deixou pensando:

"Um livro é um jeito agradável de ignorar o lado ruim da vida".

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Aquela foi a última vez que falei com o João Ramos. Anos depois, quando voltei à fazenda, tudo estava mudado. O avô vendera parte dos rebanhos, os tios estavam casados e mudaram para longe. Quanto à doce tia América, virou uma viúva triste, depois que o marido morreu e foi enterrado no cemitério da coxilha com um de seus aforismos gravado na lápide branca.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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