O tempo não envelhece

O tempo não pára e, no entanto, ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo do fogo das coisas que são. É o sol, …

O tempo não pára e, no entanto, ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo do fogo das coisas que são. É o sol, é a estrada, é o tempo. E, para esse senhor eternamente jovem, cada novo dia é um renascer mais moço e disposto. Cada nova noite é um reencontro com a criança que aparece travessa nos nossos sonhos. Todo minuto é uma espetacular novidade, um novo capítulo protagonizado por atores que não atingiram a fama. Mas, as pessoas, ingratas, estão sempre correndo, voando, têm pressa para chegar não se sabe onde, como o coelho de Alice no País das Maravilhas.


Com a agenda toda marcada com aqueles sinalizadores de texto grifando os compromissos do dia, as contas a pagar, os encontros da próxima semana, as revisões médicas, entrega de avaliação no colégio da filha, planos para o ano de 2007?.Ufa. Fala sério. Não quero que o tempo e por mim, com seu andar vagaroso, e me abane com um certo ar de quem já viu a cena milhares e milhares de vezes. Quero colocar os meus pés no riacho, como o tempo, e nunca mais os tirar, e deixar o sol brilhando na estrada e nunca ar. Não é pretensão querer ser uma pessoa menos neurótica e aproveitar o tempo, é ?


Sei lá. Também tenho os meus direitos de cidadã. E como tal, em tempo, decretei que não tenho tempo para andar enlouquecida correndo atrás do tempo. Porque um dia tudo vai embora correndo para nunca mais voltar. E aí, sim, vazando que já não tem mais tempo para nada. A infância ou, a adolescência foi embora, a maturidade também e os primeiros sinais de velhice apitam na nossa porta. E aí, lembranças que acompanham até o fim. E vou ficar lembrando da fogueira, da fruta no jardim, dos sonhos que eu sonhei prá mim, da assombração, dos os no jardim e das flores com perfume de jasmim.


A minha preocupação em deixar meu tempo mais relaxado, livre, leve e solto, aconteceu depois que eu vi a minha pequena filha Gabriela, que recém, há pouco tempo, abandonara as fraldas, combinar a sua primeira saída noturna. O que antes era reunião-dançante, hoje é balada. O que antes era rock da pesada, hoje é funk (música de qualidade discutível). O que antes era paquerar, hoje é ficar (e sabe-se lá onde que eles ficam). Assim como fazia minha mãe, desfiei uma lista de recomendações, as mais ridículas, confesso: "não aceita bala de ninguém, não toma nada que não tenha sido aberto na tua frente, não conversa com estranhos?.blá, blá, blá".


Depois de carimbar a palavra careta no meu aporte de mãe, comecei a perceber os primeiros efeitos colaterais do debut de Gabriela na noite de Porto Alegre. Em minutos, enquanto olhava o relógio perto da hora marcada para que ela chegasse, adquiri rugas. O tempo é implacável em se tratando de marcas de expressão. Ele não perdoa. Nas quatro horas em que ela estava na festa, tratei de roer todas as unhas, tomar chá de camomila, fiz um buraco no chão da sala de tanto andar. Tudo pensando como ela estaria na noite. O tempo não é transparente quando se está preocupada. Ele não dá dicas. E, enxerguei, na minha imaginação, aquele "bumbumzinho" bonitinho sendo devorado pelos olhares tarados dos homens da festa (meus deus, eles têm 11 ou 12 anos, são pequenos?que idéia).


No final da odisséia, concluiu que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais". Os ídolos de Gabriela ainda são os mesmos meus. As minhas preocupações, enquanto mãe, são as mesmas que minha mãe tinha. E a ansiedade de quem estréia na noite também é a mesma. Sei que com a Gabriela, tá tudo dominado. Sei que a eduquei para ajudar a construir um mundo mais justo e digno. Sei que ela sabe o valor da palavra dita e de como é difícil quando se magoa alguém. Sei que ela reconhece um amor verdadeiro, de coração, daqueles que chegam a doer de tanto que a gente ama. Sei que entre os seus princípios estão a verdade, a sinc eridade, o respeito e a confiança.


Então, mais do que nunca, antes que meu tempo continue voando, preciso aproveitar os minutos em que ela ainda é um pouco criança, as vezes em que ela ainda corre para o meu colo e pede carinho, os momentos em que ela arrisca se enroscar na minha cama e me fazer cafuné. Eu vi a menina correndo, eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquela menina?.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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