O tempo da minha rosa

Nunca fui Miss. Nem mesmo tentei para me poupar do ridículo. Se concorresse, em muitas ocasiões, sairia com a faixa de Missquece (é assim …

Nunca fui Miss. Nem mesmo tentei para me poupar do ridículo. Se concorresse, em muitas ocasiões, sairia com a faixa de Missquece (é assim mesmo, meu caro revisor, sandices de Marcinha). Porque me apego demais às pessoas que amo, daquela espécie grudenta, como um chiclete! Mas esta impossibilidade de subir às arelas não me impediu de ler várias vezes o livro Pequeno Príncipe, escrito e ilustrado por Antoine de Saint-Exupéry, piloto de avião durante a Segunda Guerra, um ano antes de sua morte, em 1944. Ao contrário da grande maioria das misses, o livro não figura na minha lista dos preferidos.
Apesar disso, na descrição das aventuras do principezinho que deixa seu planeta, encontro lições de vida, pureza e ingenuidade. É do Pequeno Príncipe que extraio uma frase que explica, sentimentalmente, o meu grande amor e devoção às pessoas que privam do meu afeto. A citação famosa: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Em situações diferentes, na vida particular ou profissional, estou por aí parecendo o pequeno príncipe. Preciso saber daquela amiga a quem contei sobre o meu primeiro amor; onde andam os meus amigos de outros carnavais, empregos e farras; caço parentes perdidos e revivo emoções.
É como se, mesmo distanciada ou afastada por motivos alheios à minha vontade ou não, tivesse uma dívida com todas as pessoas que plantaram sementes nos meus dias ados e presentes. Tudo sem que eu me descuide da minha rosa, orgulhosa e vaidosa, que assim como o principezinho, deixei no meu planeta a fim de conseguir empreender outras viagens na vida. Observo que nos últimos retornos ao planeta-mãe, a minha rosa mostra sinais de esgotamento total, de desapego à terra que lhe abriga. Como se a água que lhe despejo sobre as pétalas enrugadas já não fosse mais suficiente para mantê-la reta no vaso, sem nenhum apoio.
A minha rosa aprendeu, com a vivência, a ceifar os espinhos que ainda insistem em nascer, mas parece sem o adubo necessário para fazê-lo. Durante a sua vida, minha rosa foi uma espécie à frente do seu tempo, guerreira e altiva, como se espera de uma flor que gerou cinco botões. Não reconheço, hoje, no entanto, força interior para que sobreviva aos novos desafios de saúde. E dos cinco botões, três ainda lhe acompanham. Um deles murchou com nove meses e o caçula, nos deixou, em 2003, com 37 anos. Permanecem com ela duas filhas, um filho, uma nora, um neto, duas netas e uma bisneta, a Lohana.
Sim, falo na minha mãe. Como o principezinho com a sua rosa, sei que o tempo dedicado a ela, os carinhos e os cuidados é que a fizeram tão importante na minha vida. Desde que saí, definitivamente, do lar materno, aos 26 anos, nunca cortei totalmente o cordão umbilical. E o mais belo na relação entre mãe e filha, no meu entendimento, é quando a filha a a ser mãe e a compreender melhor certas atitudes maternas. No início, somos mães dos nossos rebentos e praticamos ações semelhantes às nossas mães. Mais tarde, com as nossas mães envelhecidas, elas am a parecer nossas filhas, numa inversão de papel.
No jantar da Confraria de Brasília (sem nome definitivo), as mães foram o prato principal. A entrada teve fofocas da capital federal, do partido e do diploma. A sobremesa, atualização dos namoridos. No meio da semana, a notícia que minha mãe adoecera de novo. "Foi a ela que eu reguei, a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.", disse o Pequeno Príncipe para a sua flor. E eu sou eternamente responsável também pela minha mãe.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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